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Fé por meios online para atravessar a pandemia
Reportagem Especial

Fé por meios online para atravessar a pandemia

Como igrejas, tendas, templos religiosos, com espaços físicos fechados, têm criado mecanismos online de alcançar fiéis no exercício da fé e da solidariedade

Fé por meios online para atravessar a pandemia

Como igrejas, tendas, templos religiosos, com espaços físicos fechados, têm criado mecanismos online de alcançar fiéis no exercício da fé e da solidariedade
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Amparo nos momentos de dor, escuta e aconselhamento, guias de reflexão e ressignificação sobre as próprias existências. Estas são algumas da vivências experienciadas em igrejas, templos, centros e tendas religiosas. Espaços de comunhão que, diante da necessidade de isolamento, tiveram de se reinventar em ambiente digitais.

Envoltas em meio a polêmica entre os decretos presidenciais, que as categorizam como atividade essencial, permitindo que abram as portas durante a pandemia do novo coronavírus, e as determinações estaduais, que lhes indica que permaneçam fechadas, as entidades religiosas têm buscado, algumas vezes de forma criativa, se manterem presentes nas vidas do fiéis.

Padre Franco Galdino é coordenador da evangelização da Comunidade Católica Shalom
Foto: Divulgação/ComShalom
Padre Franco Galdino é coordenador da evangelização da Comunidade Católica Shalom

Em meio ao Domingo de Páscoa, dia em que normalmente a igreja estaria cheia, padre Silvio Mitozo, da Paróquia Nossa Senhora dos Remédios, no Benfica, decidiu que, depois da transmissão por YouTube da missa de 8 horas, a paróquia deveria proporcionar um momento de comunhão à comunidade.

Padre Marcelo Pontes, também da mesma congregação, foi colocado em um carro de som e conduziu o Santíssimo Sacramento pelas ruas do bairro, com orações, músicas, e entoando a palavra cristã.

“Foi muito emocionante, as pessoas agradeceram muito. Por esse retorno, vejo que é um momento de consolação, diante desse momento angustiante”, conta padre Silvio, que está analisando a possibilidade de repetir a ação no dia de Corpus Christi, próximo dia 11, mesmo com a antecipação do feriado.

Usar a internet, fazer lives ou vídeos gravados, se valer de videochamadas, confraternizar no ambiente do WhatsApp são alguns dos caminhos para alimentar a fé.

Com atividades online desde antes do estabelecimento do isolamento, o pastor Elienai Cabral, da Igreja Betesda de Fortaleza, detalha que além dos cultos aos domingos transmitido no YouTube, das reuniões dos grupos de trabalho, que agora acontecem via aplicativos de videochamadas, os pastores têm se revezado no acolhimento a demandas individuais.

Assista a vídeo em que líderes religiosos apontam como a fé pode ajudar a atravessar este momento:

“As pessoas estão mais em casa, estão mais carentes, precisando de ouvidos, de inspiração, de símbolos e valores, e de uma linguagem que a Igreja tem. A questão de dividir a dor é fundamental num momento como esse, mesmo que seja uma proximidade virtual e permitir que, por meio da oração, as pessoas tenham a oportunidade de falar. Quem tem fé, religião, arte consegue lidar melhor com o que estamos vivendo”, acredita.

É como também compreende a zeladora da Tenda Espiritualista Mãe Tutu, mãe Telma Lima. Com programação de reuniões quatro vezes por semana, a líder umbandista lembra que teve dúvidas se as atividades online supririam as necessidades, mas narra que tem sentido a cada encontro, a presença e o amparo dos guias e benfeitores espirituais.

“Mas, independentemente de religião, temos que estar aliados a essa energia de Deus, ou Deus, ou o nome que cada uma dá. Então pode ser pelo Evangelho, por uma reforma íntima, por meditação, por músicas que aconchegam o coração, por um livro bom… O que te fizer se conectar e te faça refletir, para tirar o peso da ansiedade, tudo é válido”, aconselha.

Servidora pública municipal que se mantém fazendo trabalhos presenciais e em home office, Elaine Luz, 48, conta que os momentos de oração, proporcionados pelo grupo de WhatsApp e no YouTube, organizado pelo Centro Espírita Cearense (CEC), de que participa, têm sido fundamentais na manutenção da sua serenidade.

“Trabalho com pessoas em alta vulnerabilidade e que nesse momento estão ainda mais vulneráveis, e a gente acaba se sentindo muito impotente. A espiritualidade pra mim, nesse momento, esses instantes de intimidade com o Divino, ainda que nesse ambiente virtual, é que me mantém”, relata.

O sentimento é partilhado por Lúcia Studart, 58, missionária da Comunidade Católica Shalom, que acredita que as experiência virtuais têm favorecido viver o que ela chama de “igreja doméstica”. “A pandemia também tem sido o momento que eu mais rezei na vida. E aí tenho chamado outras pessoas, compartilhando os links, e isso tem sido bom, porque tem amigos pedindo por parentes ou por eles mesmos. A gente se une em oração. É um momento de muita dor, sem dúvida, mas a gente tem esse amparo e o consolo de ter o coração em Deus”, reflete.

Para o padre Franco Galdino, coordenador da evangelização do Shalom, diante da dor do luto ou do enfrentamento da doença, ou mesmo vivendo o isolamento, as pessoas precisam muito ser escutadas e receber um conforto espiritual.

“Para muitas delas, é como um serviço de saúde. Não é só de remédio que as pessoas precisam, as pessoas também adoecem por falta de espiritualidade. Na maior parte das vezes, é um trabalho de levar esperança”, afirma.

 

Espiritualidade pode ajudar nas relações interpessoais, diz psicóloga

Roberta Cavalcante é psicóloga e professora da Unifor
Foto: Arquivo pessoal
Roberta Cavalcante é psicóloga e professora da Unifor

 

A partir do exercício da espiritualidade, é possível desenvolver habilidades que auxiliam nas relações interpessoais e que podem fazer com que este momento de isolamento seja mais harmônico em casa. É o que ensina a psicóloga e professora do curso de Psicologia da Universidade Fortaleza (Unifor) Rebeca Cavalcante. 

"Acho que isso é importante para um casal ou mesmo de forma individual, é uma forma de cuidar de você, cuidar do outro. E a espiritualidade pode te levar a desenvolver essas habilidades como exercer mais a sua capacidade empática, perdoar o outro, saber que as pessoas erram, ter mais humildade, aceitar mais a imperfeição do outro, procurar ter uma convivência mais harmônica. Além do aflorar da caridade, o exercício da solidariedade leva a um sentimento de que fazer o bem também propicia o bem a quem faz", pontua.

Para a psicóloga, o desenvolvimento da espiritualidade independe de uma instituição religiosa. "Nesse momento de pandemia, de isolamento social, acredito que ela tem sido bastante usada por muitas pessoas. Como forma de se perceber coisas mais positivas, de acreditar que tudo pode ser mudado, modificado, de se conectar a Deus, ou a um ser superior no qual se acredita", detalha.

Ela relata estar observando essa busca cada vez mais presente, mesmo online, como uma maneira de, diante do panorama, "se sentir grato, se conectar a outras pessoas, fortalecer a fé por meio de missas, cultos, orações", e diz que, em meio a momentos de dor e incerteza, a fé é um "alimento necessário".

 

A fé e a solidariedade em algumas religiões

 

* Comunidade Católica Shalom

As atividades de todos os dias nos centros de evangelização tiveram de ser remodeladas e passaram a ser oferecidas, em boa parte, pela internet, tendo o portal da Comunidade Católica Shalom como principal reunidor das ações.

Padre Franco Galdino conta que muitos dos serviços foram sendo criados a partir das demandas que surgiam. Hoje, além das três missas (às 7 horas, meio dia e às 18 horas) e das reuniões dos grupos que já existiam, estão disponíveis aconselhamentos virtuais, pedidos para colocar os nome de entes falecidos na intenção das missas, acompanhamento para profissionais de saúde na linha de frente do enfrentamento à Covid-19, suporte a enfermos e encomenda do corpo por videochamadas.

O padre diz que só em abril foram mais de 2 mil aconselhamentos, e que os pedidos para acompanhar funerais chegam a ser cinco por dia - quando antes da pandemia não era mais que um por semana.

Além disso, a comunidade tem seguido com as ações de solidariedade, com o Projeto Amigos dos Pobre, que recebe doações e também trabalho voluntário. Conforme Padre Galdino, a solidariedade é um dos braços que têm sido estimulados.

“Se conseguirmos nos conscientizar que nós somos um corpo, mas também somos um espírito, vamos viver esse momento de isolamento social tirando da dor algo bom. É preciso aproveitar o momento não só pra suportar esse, mas para nos tornamos pessoas melhores, mais solidárias que pensam mais nos outros".

E acrescenta: "Nada vai ser igual, quando voltarmos, as coisas serão diferentes e nós também. E nós acreditamos que através da vida espiritual nós vamos sair não só diferentes, mas melhores”, ensina padre Franco.

Onde encontrar

Site https://www.comshalom.org/

YouTube /comshalom

Instagram @comshalom e @shalomfortaleza

* Comunidade Católica Kadosh

Para Felipe Napoleão, líder geral da Comunidade Católica Kadosh, com ação no bairro Presidente José Walter, toda realidade presencial, as experiências, as vivências, são insubstituíveis. Contudo, diante da pandemia do novo coronavírus, as atividades passaram por reformulações, “para não perder a essência” e ressignificações que, para o líder, “têm sido oportunidade, ao mesmo tempo que tem sido um grande desafio”.

“Temos feito de tudo para que o povo seja alcançado e a fé se mantenha não somente viva, mas que pessoas sejam experimentadas neste momento, pessoas que estão com mais tempo de colocar o coração disponível a novas experiências de fé. Nós acreditamos que no online nós perdemos algumas coisas, mas podemos conquistar outras, no caso corações que por ventura estavam numa apatia de fé. De todo mal nós podemos tirar um bem”, acredita

Um encontro da comunidade acontece aos sábados e um programa também é transmitido às quartas e sexta, tudo via YouTube. No Instagram, a campanha Amigos da Esperança recebe cadastros de pessoas que desejam receber orações, assistência de direção espiritual, e suprimentos alimentares e de higiene pessoal.

Onde encontrar

Instagram @cckadosh

YouTube 

* Centro Espírita Cearense

Socorro Sousa é presidente do Centro Espírita Cearense
Foto: Arquivo pessoal
Socorro Sousa é presidente do Centro Espírita Cearense

O isolamento veio e no WhastsApp de Socorro Sousa, presidente do Centro Espírita Cearense (CEC), não paravam de surgir pedidos de oração. Ela relembra que o grupo, até então, com os trabalhadores do centro teve de ser ampliado e ainda hoje recebe quem queira participar - é só enviar mensagem pelo Facebook.

É pelo grupo que o CEC vai vivenciando parte das ações em meio à pandemia, divididas em três momentos: duas preces às 7 horas e ao meio dia, em que ela recebe os nomes para intenção das rezas; e um outro que tem ido ao ar pelo YouTube, às 20 horas.

O momento no YouTube tem  cerca de uma hora e segue um roteiro com vários momentos em que as pessoas do grupo são convidadas a participar e enviar contribuições. A outra parte é a manutenção do projeto social de entrega de cestas básicas.

“Pessoas que só pegavam no celular para telefonar, e agora estão aprendendo a gravar, a participar das videochamadas. Nosso grupo de trabalho é um grupo entre 40 e 60 anos e as pessoas estão se adaptando. Em meio à crise a gente está aprendendo. E essa assistência do ponto de vista espiritual, de acalmar, de dar serenidade, de auxiliar nos tratamentos, tem sido muito intensa”, conta.

Ela acredita que a procura se dá também porque muitas pessoas tinham suporte em uma rotina e com o isolamento elas precisam se apegar em algo. “Elas entram num processo de conexão com Deus, independente da religião. E a Covid-19 vai fazer isso: mudar nosso costumes, nossa forma de encarar o mundo, a solidariedade vai ter um valor maior, vamos nos voltar para nossas concepções”, analisa.

Onde encontrar

YouTube

Facebook /centroespiritacearense

* Tenda Espiritualista Mãe Tutu

Mãe Telma é zeladora da Tenda Espiritualista Mãe Tutu
Foto: Renata Monte / Peixe Mulher
Mãe Telma é zeladora da Tenda Espiritualista Mãe Tutu

Ainda que houvesse dúvidas sobre como se daria os encontro virtuais, Mãe Telma Lima, da Tenda Espiritualista Mãe Tutu, conta que os quatro encontros semanais têm trazido os filhos e também gente nova mais para perto.

“Esse suporte tem disseminado uma energia e uma vibração. É dentro desse evangelho que a gente consegue se manter em equilíbrio e que a gente não se perde”, pontua.

Assim, para além da continuidade da entrega de 40 cestas básicas que faz há seis anos para a Comunidade do Brooklin, no Luciano Cavalcante, onde está situada, a tenda tem mantido às terças e quintas atividades de Estudo Sistematizado da Umbanda (ESU), às sexta de evangelhoterapia e, aos domingos, o encontro no Skype é de tema livre e serve para saber da experiência e como cada um tem enfrentado.

“A gente sabe que, dentro das nossas atividades, quando a gente abre as portas para receber, uma palavra salva, um olhar salva. É o que temos tentado fazer”, indica.

Onde encontrar

Instagram @tendamaetutu

* Igreja Batista Manancial

Apesar de entender que a comunhão presencial se dá de forma mais profunda, Carlos José, seminarista e membro da Igreja Batista Manancial, diante da importância do isolamento, diz que  todos têm buscado se adaptar.

Por videoconferências, Carlos conta que a Igreja tem criado momento de ouvir testemunhos, além de disponibilizar três vídeos semanais no YouTube. O incentivo, também, tem sido o de fazer cultos nos lares, cada um de forma familiar ou individual.

Onde encontrar

YouTube 

Instagram @igreja.batista.manancial

* Igreja Betesda Fortaleza

A utilização anterior à pandemia de algumas ferramentas online, facilitaram a transição quando se fez necessário o isolamento, conta o pastor Elienai Cabral Júnior. A Igreja Betesda Fortaleza tem mantido hoje as reuniões dos grupos pré-existentes por videochamadas, os cultos aos domingos transmitidos por YouTube e lives temáticas no Instagram.

Além disso, o pastor conta que os próprios grupos têm organizado atividades, como por exemplo festival musical que os membros adolescentes prepararam via TikTok.

A Igreja mantém também projetos sociais nos bairros Autran Nunes e Serviluz, e recebem doações. Para Elienai, a procura e manutenção de vínculos religiosos neste momento se dá pela natureza das religiões.

“A religião é uma busca de respostas, é uma forma de enfrentar a angústia de viver, a inquietação de existir, a insegurança, a incerteza em relação ao futuro. E na tentativa de encontrar sentido para essa situação que a gente está vivendo, muitos encontram respostas no Evangelho. Por isso a fé, a despeito da fragilidade do momento, ganhou tanta força”, acredita.

Onde encontrar

YouTube 

Instagram @betesdafor

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