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No Presidente Vargas, uma tarde de recomeços
Reportagem Seriada

No Presidente Vargas, uma tarde de recomeços

No Hospital de Campanha do velho estádio de futebol do bairro do Benfica, cada alta de um paciente com Covid-19 é comemorada de forma inesperada por causa da chance dos reencontros
Episódio 2

No Presidente Vargas, uma tarde de recomeços

No Hospital de Campanha do velho estádio de futebol do bairro do Benfica, cada alta de um paciente com Covid-19 é comemorada de forma inesperada por causa da chance dos reencontros
Episódio 2
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A territorialização da Covid-19 entre os bairros de Fortaleza transformou Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e hospitais de campanha em estações. Entre a vida e a morte, o reencontro e o adeus moldam histórias de uma antiga tragédia sanitária que se esgaçou. Eu e repórter fotográfico Júlio Caesar fomos contar alguns recomeços na saída do Hospital de Campanha no Presidente Vargas. Encontros e despedidas, canção de Fernando Brant e Milton Nascimento, pontua a narrativa.

"Me dê um abraço, venha me apertar. Tô chegando..."

Janaína Verônica Araújo, 39 anos, teve um descontrole de alegria, gritou e chorou quando viu a mãe sair com as próprias pernas do Hospital de Campanha do estádio Presidente Vargas (PV), em Fortaleza. Maria de Fátima Araújo de Souza, 65 anos, dona de casa, sete filhos, estava curada da Covid-19. Depois de mais de dez dias de internação e risco de não voltar, ressurgiu feito um milagre na porta do estádio transformado em hospital. Testemunhei a alegria do recomeço...

José Daniel da Silva, Luís Gonzaga, Janaína Verônica Araújo e Maria de Fátima Araújo de Souza. Esta última, aos 65 anos recebeu alta médica no Hospital do PV(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR José Daniel da Silva, Luís Gonzaga, Janaína Verônica Araújo e Maria de Fátima Araújo de Souza. Esta última, aos 65 anos recebeu alta médica no Hospital do PV

"Um alívio, uma alegria sem fim”, repetia Maria de Fátima Araújo. Não era sem motivo. Antes de se internar no PV (Benfica), bem no feriado do Dia do Trabalho deste ano, já havia passado pelo Posto de Saúde Marcel de Brito, no Conjunto Ceará (bairro onde mora) e, depois, porque precisou de oxigênio, foi transferida para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Itaperi, em outro extremo de Fortaleza.

Janaína Araújo, com a notícia da alta da mãe, já havia esquecido até a canseira para conseguir informação sobre a paciente isolada da vida aqui fora. Não adiantava ir para a frente do portão do hospital nem ligar o (85) 4042 2937 do serviço municipal. Telefonou durante a entrevista. “Tá vendo, não atende. Eu ligava toda hora, queria saber dela, saber o que ia ser. Agora, estou feliz”, disse e correu quando viu a mãe do outro lado do portão.

Foram muitos gritos, sem constrangimento. “Eu te amo, mãe. Obrigado, Senhor. Eu te amo, mãe”, sufocou-a num abraço. “Eu cheguei aqui morta”, festejou e fez foto ao lado do genro José Daniel, 49, do irmão Luis Gonzaga, 58 e da filha que voltou a ser menina.

 

 

"Sou o anjo da guarda dele"

Antônio Nogueira de Freitas, 50 anos, ganhou uma nova chance no mundo em pandemia. A irmã Ana Lúcia, 57, que o esperava debaixo de uma das mangueiras do estádio antigo do bairro universitário do Benfica, foi quem decretou. “A Covid-19 deve ter ensinado algo a ele sobre escapar da morte”.

Diabético, fumante e obeso, Antônio Nogueira passou 15 dias internado no Hospital de Campanha. Morador solitário de uma casa na Barra do Ceará, um dia ligou para Ana Lúcia pedindo que o acudisse. Foi levado à UPA do Pirambu. Dias depois, a tosse forte e o cansaço o obrigaram a dar entrada às pressas no PV. “Sou o anjo dele”, brincou a massoterapeuta.

"Coisa que gosto é poder partir, sem ter planos. Melhor ainda é poder voltar..."

Em casa, Maria Nogueira, 81, mãe de Antônio e Ana havia melhorado de uma suspeita também de Covid-19. “Acho que foi quando contei que ele estava de alta, curado do vírus. Ela nem acreditou em mais uma chance”.

 

 

A dignidade do irmão

A tarde do dia 6/5, quando fomos ao PV, foi uma tarde de altas. Três notícias sobre quem reagiu ao coronavírus. Maria de Fátima Araújo de Souza, 65 anos, Antônio Nogueira de Freitas, 50 anos e Cléssio de Sousa Santos, 27.

Kelsivana de Sousa Santos, 30, irmã de Cléssio, tinha recebido naquele dia o resultado do exame do rapaz que também sofria com uma paralisia cerebral. “Deu negativo para Covid e ligaram para buscá-lo. Fiquei feliz, corri pra cá. Ele tem um corpo de homem, mas é um bebê. Nunca havia se internado e é totalmente dependente”, contou.

"É a vida desse meu lugar, é a vida..."

No PV, no hospital da 4ª Etapa do Conjunto Ceará e na UPA do Bom Jardim, Kelsivana de Sousa descobriu que trataram Cléssio com dignidade. Não tinha razão de ser o contrário, mesmo em meio à pandemia. “Se eu já tinha vontade de ser enfermeira por causa dele, agora é que vou mesmo”, despediu-se e foi até a ambulância que levaria o irmão de volta pra casa, na Granja Portugal.

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