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O major do Exército que premiou as execuções de civis na Colômbia
Reportagem Seriada

O major do Exército que premiou as execuções de civis na Colômbia

Ele admite ter premiado suas tropas por matar civis que fizeram passar por guerrilheiros ou criminosos. Assim, assegura, foram inflados os resultados em um conflito iniciado nos anos 1960. A prática, conhecida como "falsos positivos", é o maior escândalo da história militar da Colômbia.

O major do Exército que premiou as execuções de civis na Colômbia

Ele admite ter premiado suas tropas por matar civis que fizeram passar por guerrilheiros ou criminosos. Assim, assegura, foram inflados os resultados em um conflito iniciado nos anos 1960. A prática, conhecida como "falsos positivos", é o maior escândalo da história militar da Colômbia.
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Não importavam as capturas, apenas "os mortos". Quando chegou para comandar uma unidade de elite anti-sequestro do Exército colombiano, em 2006, o major Gustavo Soto seguiu essa diretriz, "instigado", segundo ele, pelo alto comando que lhe exigia resultados.

Ele admite ter premiado suas tropas por matar civis que fizeram passar por guerrilheiros ou criminosos. Assim, assegura, foram inflados os resultados em um conflito iniciado nos anos 1960. A prática, conhecida como "falsos positivos", é o maior escândalo da história militar da Colômbia.

"Não fui eu que comecei isso (...), os soldados sabiam como apresentar as mortes, como fazê-lo". Na operação, "se pegava a pessoa em uma captura, mas a ordem era dar baixa, apresentá-la como morte em combate", detalha em entrevista exclusiva.

Aos 48 anos, o oficial reformado afirma ter presenciado uma execução e, em outras, facilitou as armas que os militares punham nas mãos dos mortos.

"O dinheiro que eu devia ter utilizado (...) para procurar as pessoas sequestradas tive que usar para comprar armas e pagar muitos recrutadores" de civis, que foram levados para a morte com armadilhas em que lhes ofereciam fazer um "trabalhinho".

Os soldados eram premiados. "Tinham cinco dias de licença (...) A mim me deram, por estar entre as dez melhores unidades, quinze dias na cidade de Quito (Equador) em 2007". Naquele ano, Soto foi detido.

Em 2018, recuperou temporariamente a liberdade como parte de um acerto com a Jurisdição Especial para a Paz (JEP), criada a partir do acordo que desarmou e transformou em partido político a antiga guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

Soto se comprometeu a contar a verdade e reparar suas vítimas para obter uma pena alternativa aos 32 anos de prisão que o aguardava por homicídio e sequestro.

É a primeira vez que ele fala com a imprensa sobre o que disse aos magistrados que vão julgar os piores crimes cometidos em uma guerra que já deixou oito milhões de vítimas entre mortos, desaparecidos e deslocados.

"Todo mundo se calava"

Entre maio de 2006 e outubro de 2007, Soto esteve à frente da unidade de elite contra o sequestro e a extorsão (Gaula) no departamento (estado) de Casanare, no nordeste da Colômbia.

Ele assumiu o comando com resultado operacional de 10 a 14 baixas (falecidos) e saiu da unidade com um recorde de "83 mortes". "Por aí, umas quatro ou cinco foram operações totalmente legais, as demais são mortes ilegítimas".

O Ministério Público da Colômbia documentou 2.248 "falsos positivos" entre 1988 e 2014 em várias regiões do país. Cinquenta e nove por cento dos casos ocorreram durante a Presidência do agora senador Álvaro Uribe (2002-2010), que combateu seu trégua os grupos insurgentes.

Quarenta e oito por cento das vítimas dos militares eram jovens de 18 a 30 anos. Várias das 200 unidades do Exército na época recorreram a esta prática.

Segundo Soto, como comandante fez várias operações com o extinto corpo da polícia secreta DAS, dissolvido em 2011 por um esquema de espionagem de jornalistas, juízes e políticos.

"Foram os do DAS os que me ensinaram (...) O promotor tampouco dizia: 'Bom, major, o que está acontecendo aqui'. Nada, todo mundo como que se calava, ninguém dizia nada, sabiam que tudo era ilegal".

"Atire e recolha"

Durante um tempo, os soldados conseguiram encobrir seus crimes, extraviando os documentos de identidade das vítimas. "Tampouco disse nada sobre isso, achei normal, permiti que ocorresse. Naquela ocasião, não sentia remorso porque eu via que na brigada esse era um resultado operacional".

Soto se sentiu "blindado". Ele afirma que o então comandante do Exército, general Mario Montoya, media os resultados operacionais "em mortos".

"Ele não se interessava pelas capturas (...) Fui testemunha de (uma vez em que) um major com sobrenome Rodríguez não tinha nenhum morto. Chegou o comandante do Exército e lhe disse: 'Major, é que em (o município de) Barrancominas não tem guerrilha?'".

Para, depois, alfinetá-lo: "O que tem que fazer é colocar um batalhão alinhado e dar a ordem: 'Atirem'. E vá e recolha, como quem diz a quem atira (...) já é ganho, isso é um morto".

Embora não tenha sido condenado, Montoya oferece sua versão à JEP. Sua defesa negou à AFP os apontamentos. "Em nenhum momento existiu uma diretiva ou diretriz ao Exército para atos tão atrozes", afirma o advogado Andrés Garzón.

Agora, Soto teme por sua vida. "Esta verdade que estou dizendo certamente pode ter um preço", resigna-se o oficial, que dentro de pouco tempo terá que encarar as famílias que deixou de luto. Sua advogada, Tania Parra, também tem recebido ameaças.

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