Logo O POVO+
Vídeo de adolescentes com arma abre debate sobre como tratar de violência nas escolas e em casa
Reportagem Especial

Vídeo de adolescentes com arma abre debate sobre como tratar de violência nas escolas e em casa

Para educadores, pais, escola e comunidade precisam se envolver na formação das crianças e adolescentes

Vídeo de adolescentes com arma abre debate sobre como tratar de violência nas escolas e em casa

Para educadores, pais, escola e comunidade precisam se envolver na formação das crianças e adolescentes
Tipo Notícia Por

Fotografias e vídeos compartilhados em redes sociais mostrando adolescente portando armas de fogo ou simulacros em escolas particulares de Fortaleza provocaram debates entre pais, estudantes e profissionais da educação. Qual a legalidade de tais atos? E quais providências podem ser tomadas? Por outro lado, é lícito compartilhar as gravações? O POVO Online conversou com sociólogos, professores e psicólogos para saber como a polêmica pode servir para que pais possam orientar crianças e adolescentes sobre a violência.

Coordenador do Laboratório de Estudos da Conflitualidade e Violência (Covio), da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o sociólogo Geovani Jacó aponta que é preciso entender o contexto em que esses atos ocorrem. “Estamos vendo quase a banalização de atos de violência. Práticas antes consideradas violentas agora passaram a ser incorporadas, como a resolução de conflitos com as próprias mãos e o encorajamento de atitudes de enfrentamento e intolerância”, lista.

Para ele, a “estética da violência” encontra o cenário perfeito para se difundir quando o Estado também passa a valorizar comportamentos violentos. “Isso que leva as pessoas a se armarem e usarem a arma como algo normal, porque é usual”, afirma. Dentro desse contexto, segundo ele, a escola apenas ressoa a sociedade.

Papel das escolas

A visão é compartilhada pelo professor Maurício Manoel, secretário de assuntos educacionais do Sindicato dos Professores e Servidores da Educação e Cultura do Ceará (Apeoc). De acordo com ele, há a expectativa muito grande de que as instituições de ensino “resolvam todas os problemas da sociedade”.

“Claro que o aluno deve ir à escola para saber como lidar com isso, mas o problema da segurança pública não vai ser resolvido na escola. Não tem como a escola sozinha evitar que um aluno esteja armado”, argumenta. Para ele, é preciso criar um tripé envolvendo as instituições de ensino, a família e a comunidade.

Nesse ponto, ele, assim como Marina Araújo, assessora técnica do Centro de Defesa da Criança e do Adolescentes no Ceará (Cedeca-CE), defende que as escolas precisam fornecer espaços de lazer e cultura para os alunos, já a população deve entender que aquele espaço de educação também é da comunidade e deve ser valorizado. Para ela, é importante que as instituições priorizem a busca ativa de situações de vulnerabilidade entre adolescentes que estejam em situação de conflito, além da mediação de conflitos.

No caso dos pais, segundo Manoel, eles precisam entender que são fundamentais na formação dos próprios filhos. “Alunos que têm acompanhamento familiar maior têm melhor rendimento e comportamento melhor”, garante.

Papel da família

Para Yadja Gonçalves, psicóloga do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) e professora de Psicologia do Centro Universitário Unifanor-Wyden, momentos de debate como este podem ser usados pelos pais para estabelecer diálogo sobre o assunto com os filhos. “Possibilitar que seu filho seja escutado sem julgamentos é um importante passo à construção de um diálogo franco e aberto. Depois de ser acolhido, é papel dos pais orientar, educar e oferecer suporte emocional aos seus filhos”, sugere.

A psicopedagoga e mentora de pais Camila Monteiro completa que o foco dos adultos deve ser entender os motivos que podem levar os adolescentes a praticar tais atos. Para ela, o ideal é estabelecer uma relação que não seja “nem autoritária demais nem permissiva demais”. “Eles (os pais) podem ser gentis, mas firmes. Podem escutar os problemas dos filhos sem fazer um sermão logo de cara. Precisam perguntar, se aprofundar. O que mais inquieta nisso tudo é entender o que de fato esses jovens querem, o que estão sentindo, porque não me parece que é só brincadeira”, finaliza.

O CEP da violência

Uma das discussões que o compartilhamento do vídeo suscitou foi a forma de tratamento do episódio, já que envolveu adolescentes da classe média alta. Em nota pública, a escola onde o aluno estava matriculado informou que irá apurar internamente o ocorrido e tomará as medidas cabíveis.

Na terça-feira, 2, o Ministério Público do Ceará (MPCE) explicou que o caso foi encaminhado para a Promotoria da Infância e Juventude e a da Educação. Será analisada tanto a eventual prática de infração administrativa quanto ilegalidades na divulgação das imagens dos adolescentes que, "além de não contribuir para tornar nossa sociedade mais harmônica e ordeira, promove desmedido e precipitado julgamento social e moral e gera incomensurável e avassalador sofrimento psíquico, mormente quando suportado por seres humanos ainda em desenvolvimento e, por isso mesmo inexperientes e imaturos". 

"O envio do vídeo sob comento para as redes sociais pode até ter trazido a falsa impressão de providência em favor da nossa comunidade, contudo, em verdade, é ação que cria mais instabilidade e mais agressividade", analisa o MPCE em nota. O caso também foi encaminhado para a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA). Se comprovado o crime de compartilhamento ilegal, a multa pode chegar a 20 salários mínimos – e 40 em caso de reincidência. 

Para o sociólogo Geovani Jacó, apesar de a violência chegar a todas as esferas sociais, ela é interpretada de forma diferente de acordo com o contexto. “As práticas sociais podem ser semelhantes, mas um rapaz de elite portar uma arma em escola de elite nunca será culpado, ele é sempre o suspeito que foi pego portando”, aponta.

Segundo ele, esses grupos acabam incorporam a ideia de impunidade e isso se reflete em ações práticas. “Há um desrespeito às leis, e isso não começa pelos pobres, mas pelos indivíduos de classe que têm relação e proteção. A Justiça incorpora isso, o que vai gerar impunidade. Os indivíduos agem na certeza que não vão ser punidos”, diz.

Para o sociólogo, se episódio semelhante como esse envolvendo os adolescente tivesse ocorrido em área mais pobre da Capital a reação poderia ser outra. “Em regiões periféricas, a representação sempre será que aquele sujeito é perigoso porque pertence a uma classe perigosa e está em um território perigoso”, afirma.

Conforme Jacó, é a análise do contexto que permite entender inclusive se um ato será interpretado como violento. “Se um aluno negro e pobre, flagrado na periferia portando uma arma, é morto pela Polícia, a sociedade vai ver como uma causa e efeito. Se o mesmo homicídio praticado pela polícia ocorrer com um jovem branco de elite, em uma escola de bairro nobre, será um ato que vai comover a sociedade”, conclui o sociólogo.

O que você achou desse conteúdo?