No amanhecer do dia 20 de julho de 1934 em sua casa, na rua São José, no leito de sua cama, diante de pessoas amigas, com 90 anos de idade e fragilizado no seu estado de saúde, padre Cícero Romão Batista deu o último suspiro e entregou sua alma a Deus. No entanto, antes pronunciou uma frase que está gravada no coração dos seus afilhados e devotos: “No céu, pedirei a Deus por vocês todos!” A triste notícia da morte do Padre do Juazeiro se espalhou pelos sertões nordestinos. O velório aconteceu durante todo o dia e noite e o seu sepultamento no dia 21, na capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, precedido da missa de exéquias, foi acompanhado por uma multidão de aproximadamente 60 mil pessoas. Um momento de tristeza, lamentos e aflições para o povo do nordeste brasileiro. Mas, no imaginário popular, o Padre Cícero não morreu, mas se mudou e permanece vivo na sua luta cotidiana como “Patriarca do Juazeiro” e “Conselheiro do Sertão”!
CONFIRA O ESPECIAL DE 85 ANOS DA MORTE DO PADRE CÍCERO
No momento da morte do Padre Cícero a sua condição eclesiástica era de suspensão das ordens sacerdotais. Ele nunca foi excomungado pela Igreja. A sua vida foi marcada por intensa luta para rever as penas aplicadas e as decisões doutrinais decorrentes dos fenômenos do milagre da hóstia em 1889. O Padre do Juazeiro não esqueceu o fenômeno nem achou que era falsa sua existência, mas manteve sua fidelidade e obediência à Igreja até o fim e o povo obedeceu a ordem do Padre a um silêncio obsequioso sobre o milagre. Ele viveu com resignação, resiliência e esperando a sua reabilitação eclesial.
O advento da década de 2000 marca uma nova relação da Igreja Católica Apostólica Romana com a pessoa do padre Cícero e as romarias. Efetivamente, a revisão do processo histórico-eclesial do Padre Cícero Romão Batista. A diocese de Crato toma a iniciativa e constitui uma comissão de estudos e pesquisas que desembocasse na reabilitação eclesial do patriarca do nordeste. Em 30 de maio de 2006, junto à Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, volumoso estudo promovido por uma comissão de pesquisadores de todo o país, sob a coordenação da Diocese, foi protocolado junto à Santa Sé, encimado por uma petição que também foi assinada por 254 membros do episcopado brasileiro.
Em 2015, surpreendentemente, o Papa Francisco envia uma carta através do Secretário do Vaticano, Cardeal Pietro Parolin, que faz a reconciliação histórica e eclesial do Padre Cícero Romão Batista. Ao mesmo tempo, faz uma convocação à Igreja a uma atitude de reconciliação com os afilhados do Padre Cícero, os Romeiros da Mãe de Deus.
Portanto, a mensagem do papa Francisco abriu novos horizontes da relação entre a igreja e o padre Cícero. Atualmente, percebe-se que a igreja do Brasil e do mundo vem despertando um novo olhar para o padrinho Cícero e seus devotos. Muitos bispos, padres e religiosas estão participando ou mesmo organizando romarias para Juazeiro do Norte. Aquilo que antes era visto com desconfiança e intitulado como “fanatismo”, “ignorância” ou mesmo “fatalismo religioso”, hoje passa a ser redescoberto como força de evangelização da igreja, verdadeira expressão de religiosidade popular e o padre Cícero é aclamado como santo no coração do sertanejo. Na atualidade, muitos estão se deixando seduzir pelas reações da alma nordestina retratadas no semblante dos romeiros do Padre Cícero.
Os caminhos da beatificação e canonização do Padre Cícero pela Igreja estão abertos, os muros da omissão, da hostilidade e da indiferença estão sendo destruídos e renascem novos olhares para a vida e a personalidade deste sacerdote cearense. Ao mesmo tempo, o protagonismo do romeiro nas suas peregrinações deve ser reconhecido e valorizado por uma “igreja em saída” para os novos tempos de uma evangelização popular encarnada na realidade da nação romeira.
Portanto, estamos celebrando os 85 anos da passagem do Padre Cícero para a eternidade. Ele deixou muitas saudades, mas continua vivo no coração e na mente dos seus milhões de devotos e admiradores espalhados pelo Brasil. Em cada gesto, em cada lugar sagrado, em cada bendito cantado, em cada expressão de piedade realiza-se uma liturgia da espacialidade e da espiritualidade romeira. Tudo isso evoca a uma atitude de respeito, valorização e acolhimento aos devotos do Padre Cícero que são protagonistas da construção da cidade de Juazeiro do Norte. Essa terra, nascida, sonhada e projetada sobre a visão multidimensional do seu fundador Padre Cícero, deve ser sempre um santuário aberto para abrigar os romeiros simples, piedosos e que anseiam para renovar a esperança de habitar numa sociedade mais humana, justa e solidária.
José Carlos dos Santos
Professor de Filosofia da Universidade Regional do Cariri(URCA) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará(IFCE).