Há 45 anos, era deposto na Etiópia o imperador Hailé Selassie I, na época o mais duradouro chefe de estado do mundo. Derrubado por um grupo de militares após crescentes crises de abastecimento e inflação no país, Selassie é mais conhecido hoje por ser considerado a personificação de Deus encarnado (Jah) na religião jamaicana Rastafári.
O próprio nome do movimento se origina do nome de batismo do líder etíope, Tafari Makonnen Woldemikael – sendo “ras” um antigo título da Etiópia, semelhante ao “duque”. O movimento, que misturava elementos da religião judaico-cristã com um sentimento social africanista, passou a relacionar Selassie com o messias na década de 1930, logo após a coroação do líder.
Na época uma colônia britânica, a Jamaica vivia período de intensa tensão social, com efeitos da Grande Depressão afetando duramente a vida do país, formado majoritariamente por ex-escravos camponeses. Neste contexto, passaram a surgir movimentos de organização política no País, que tiveram como figura máxima o advogado Marcus Gavey (1887-1940).
Em discurso feito em agosto de 1930 em Kingston, Gavey orientou milhares de jamaicanos para que “olhassem para a África, onde um rei negro seria coroado” e traria a libertação do país. O discurso se referia a um príncipe do Sudão, mas acabou sendo interpretado como uma "profecia" da coroação de Selassie, que veio a acontecer em novembro daquele ano.
A cerimônia de coroação de Selassie, prestigiada por vários dos maiores líderes mundiais da época, acabou sendo um dos maiores eventos do mundo e ganhando fervor messiânico na Jamaica. Para os jamaicanos, o Ras Tafari seria um libertador, que os tiraria da pobreza da colônia inglesa e os levaria de volta à África, onde guardavam importantes raízes.
Desde a morte do líder etíope, em 1975, o movimento rastafari acabou alterando parte de suas crenças. Enquanto alguns mais tradicionalistas acreditavam que Selassie era o único messias e a Etiópia a terra prometida (Sião), rastafáris mais modernos aceitam o legado do imperador naus como uma referência “espiritual”, além de um legado histórico e étnico de ancestralidade.
Haile Selassie visitou a Jamaica em 21 de abril de 1966, quando aproximadamente 100 mil rastafáris de todo o país se concentraram no aeroporto de Palisadoes, em Kingston, para receber o líder. O pouso do "messias" provocou fervor tão grande que as autoridades foram incapazes de esvaziar a pista de pouso, que foi rapidamente tomada por milhares de pessoas.
Cercado pela multidão, Selassie só conseguiu deixar o avião após intervenção do líder rastafári Ras Mortimer Planno, que negociou o desembarque de Ras Tafari. Entre a multidão, estava a jovem Rita Andersen, que se converteu à religião após testemunhar a comoção.
A devoção de Rita viria a influenciar significativamente o trabalho de seu marido, o lendário músico Bob Marley. Várias das músicas e discos do cantor possuem referências ao imperador etíope, com a foto de Selassie aparecendo inclusive em vários dos videoclipes de Marley. Uma da canções mais populares do jamaicano, Redemption Song cita trechos do discurso de Marcus Gavey e fala diretamente do mito de libertação e regresso à África.
Atualmente, a data da visita de Haile Selassie ainda é comemorada como o "dia da inauguração", sendo o 2º maior feriado religioso da Jamaica. A data número um do país continua sendo em 2 de novembro, data da coroação de Haile Selassie I.
Na década de 1970, a Etiópia passava por graves conturbações econômica e sociais. A crise do petróleo de 1973, o total colapso dos sistemas de alimentos do país e o desgaste acumulado de mais de quatro décadas de governo acabaram atingindo o ápice em fevereiro de 1974, quando ocorreram em Addis Ababa quatro dias consecutivos de grandes protestos.
A crise internacional por conta de combustíveis fez com que o preço de produtos importados, gasolina e comida decolassem, enquanto o desemprego atingiu ápice. A tensão ganhou outros contornos a partir de março, quando militares começaram a fazer motins por todo o país.
Selassie ainda tentou conter a insatisfação do Exército, indo duas vezes à rede nacional de televisão anunciar reajustes no salário de militares. Apesar das concessões, o movimento acabou atingido seu ápice em 12 de setembro de 1974, quando um comitê de militares de baixa batente depôs o imperador, à época com 82 anos.
Poucos meses depois, em agosto de 1975, o governo etíope comunicou a população que Selassie havia morrido de "problemas respiratórios" após complicações de uma cirurgia de próstata. Décadas mais tarde, em 1994, a Justiça da Etiópia condenou três militares pelo assassinato do imperador, que teria sido, na verdade, estrangulado durante o sono pela junta que governou o país após sua deposição.
colaborou Fred Souza (pesquisa histórica)