Após anos de escravidão e torturas, cinco famílias negras conseguiram fugir da fazenda do coronel Tito Alves de Lima, próxima de Coreaú, rumo à Serra da Meruoca. No sopé das montanhas, encontraram refúgio tranquilo, distante dos capitães-do-mato, de terras férteis e por onde passava um riacho. Ali, as famílias fundariam a que mais tarde seria batizada Vila Timbaúba, onde ex-escravos eram bem-vindos para ser livres e manter vivas suas tradições.
O êxodo do grupo, no século XIX, conta a origem de Timbaúba, uma das 32 comunidades quilombolas atualmente em processo de regularização junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Ceará. Com quatro desses processos abertos desde 2005, nenhuma comunidade do Estado ainda recebeu títulos definitivos das terras ocupadas pelos antepassados. Mais de 150 anos depois, as cinco famílias de Timbaúba viraram 142 e ainda mantêm forte vínculo com a história de resistência.
A permanência dos ex-escravos na região não foi fácil: mesmo após a Lei Áurea, o governo federal ordenou a construção de um açude na região, ameaçando a ocupação da comunidade. "Quando as famílias apareceram, a terra não tinha dono, aí cada qual arrumou um pedacinho e foram levando, até chegar essa lei pesada para tomar as terras", conta Dona Dadá, uma das moradoras, em relato publicado em um volume da coleção Terras de Quilombos, do Incra.
Nesta quarta-feira, 20, comemora-se o Dia da Consciência Negra, data que marca a morte, em 1695, de Zumbi, líder dos Palmares, o maior dos quilombos brasileiros.
"Nossa história foi afogada [na construção do açude] junto com a Fazenda do Tito. Lá tinha o tronco onde amarrava os negros, o lugar onde eles puniam os nossos parentes. A minha avó contava que os negros eram amarrados nesse tronco. Ainda tem resquícios dele lá, quando o açude baixa dá para ver", diz Dona Dadá. A comunidade já é autodefinida como quilombola desde 2006, mas aguarda portaria de reconhecimento do Incra.
Segundo dados do Incra de maio deste ano, estão abertos no Brasil 1.747 processos de regularização de territórios quilombolas. A maioria, 1.005 (57,5%), se concentram no Nordeste, sobretudo no Maranhão (399) e na Bahia (319). O processo tem seis etapas, da autodefinição das comunidades até a concessão de título imprescritível das terras aos quilombolas.
No Ceará, apesar autodefinição de cerca de 70 comunidades tradicionais, nenhuma ainda recebeu o título das terras e 32 têm processos de demarcação em andamento junto ao Incra, segundo relatórios de janeiro de 2019. O mais antigo, da comunidade de Água Preta, no município de Tururu, foi aberto em 2005 e se encontra na segunda etapa de regulação, da elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID).