João W. Nery, que realizou sua operação nos anos 1970, é habitualmente considerado o primeiro homem trans a passar por cirurgia no Brasil. Todavia, o jornalista Neto Lucon descobriu a história de Mário da Silva, que em 1959 surpreendeu a pequena cidade de Itajaí (SC) ao realizar cirurgias de redesignação sexual com apenas 18 anos, após passar a vida inteira rejeitando a feminilidade que lhe fora imposta. Tanto João quanto Mario não tiveram, porém, o reconhecimento jurídico de sua transição, vivendo décadas com documentos que não correspondiam à sua identidade de gênero. O cirurgião Roberto Farina, que operou João, chegou a ser preso por ter realizado a cirurgia.
Pela resolução nº 1.482/97 o CFM autorizou a realização de cirurgias de neovulvovaginoplastia (retirada do pênis e criação de canal vaginal) e neofaloplastia (fechamento da vulva e criação de pênis a partir de reestruturação do clitóris e/ou uso de prótese) “a título experimental”. Antes desse ano, as cirurgias eram realizadas clandestinamente no Brasil.
O Ministério da Saúde e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) lançam a campanha “Travesti e respeito: já está na hora dos dois serem vistos juntos”, no dia 29 de janeiro. A partir desse ano, a data passa a marcar o Dia Nacional da Visibilidade Trans.
Através da Carta dos Direitos do Usuário de Saúde foi garantido a pessoas trans e travestis o direito ao nome social. A questão só foi regulamentada, porém, em 2009. Mesmo atualmente há dificuldades para estas pessoas obterem o atendimento por nome social na rede de atenção básica, o que ainda afasta essa população dos atendimentos de saúde.
Com o início das operações de neovulvovaginoplastia em 2008 e de neofaloplastia em 2010, o SUS passa a realizar atendimentos hospitalares para redesignação sexual. Com apenas cinco hospitais autorizados a executar os procedimentos, porém, até hoje a fila de espera para as cirurgias passa de dez anos.
As resoluções nº 11 e 12 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais são publicadas, em 12 de março, no Diário Oficial da União. A primeira determina a inclusão dos campos “identidade de gênero” e “nome social” nos boletins de ocorrência policial, enquanto a segunda garante o direito de pessoas trans serem tratadas pelo nome social em escolas e universidades e utilizarem o banheiro adequado à sua identidade de gênero.
O Decreto Presidencial Nº 8.727, de abril de 2016, determina que pessoas transexuais e travestis devem ser chamadas pelo nome social em todos os âmbitos da administração pública federal. O uso em órgãos municipais e estaduais dependem de leis específicas de cada local. Em Fortaleza o tratamento por nome social em órgãos públicos é direito desde 2017 e, no Ceará, desde 2019.
Para ter direito à mudança de nome e gênero na certidão de nascimento era necessário um longo processo judicial, sem entendimento unificado sobre os casos: alguns juízes poderiam solicitar documentações que outros não exigiam, alguns casos só recebiam sinal verde se fosse realizada a cirurgia de redesignação sexual, e mesmo as causas mais rápidas levavam anos para serem concluídas. O Supremo Tribunal Federal (STF) mudou essa situação em 2018, firmando o entendimento de que a retificação de documentos se inclui no direito à dignidade do cidadão, enfatizando a não necessidade de se realizar cirurgias para isso. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou, em seguida, as regras que determinam os documentos necessários para que a pessoa solicite a alteração diretamente no cartório, sem necessidade de processo judicial.
No mês de janeiro o CFM definiu novas regras para que médicos do Brasil lidem com pessoas trans. Substituindo a resolução de 2010, que definia pessoas trans como “portadoras de desvio psicológico”, o documento atual determina um tratamento humanizado e adequado à fase da vida em que a pessoa explicitar a transição de gênero. Entre as medidas mais avançadas estão a redução de idade mínima para cirurgias de 21 para 18 anos, e de hormonização de 18 para 16 anos. Há também a possibilidade de se realizar tratamentos com bloqueadores de puberdade em adolescentes trans. A resolução, porém, não atende a todas as demandas da população trans: existem problemas como a definição de travesti no documento, e o fato de que ignora a existência de pessoas não-binárias, focando somente no binarismo de gênero.