Provavelmente, a Bacia do Araripe foi uma espécie de santuário de pterossauros. Antes de serem extintos, há pelo menos 65,5 milhões de anos, teriam migrado solitários ou em bandos para se alimentar e, talvez, se acasalar num território inimaginável que se transformou no que aprendemos a chamar de Chapada do Araripe. São hipóteses conversadas com Renan Bantim e Álamo Saraiva, dois pesquisadores do Laboratório de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri (LPU).
A possibilidade de ser um refúgio paleoecológico ou de ser um entreposto para alimentação estaria fundada, principalmente, na quantidade de pterossauros descritos originários da Bacia do Araripe, no Cariri cearense. De 1984 para cá, pesquisadores brasileiros e estrangeiros investigaram pelo menos 25 espécies do sul do Ceará que pertenceriam a duas ou mais famílias. Há uma divergência. Os paleontólogos do LPU consideram a Anhangueridae e a Tapejaridae. Outros estudiosos acrescentam a Pteranodontoidea, Ctenoschamatoidae, Ornitocheiridae e a Dsungapteridae.
No Brasil, entre instituições internacionais e entre pesquisadores experimentados em escavar, preparar e decifrar fósseis não se discute o valor paleontológico da Bacia do Araripe. É referência. E se tratando de pterossauro, a jazida fossilífera dessa banda do planeta é ponte para travessias científicas entre os continentes hoje separados e que formaram a Pangeia entre 200 e 540 milhões de anos durante a era Paleozoica.
As incursões de paleontólogos respeitados no universo da pesquisa científica, como as do teuto-brasileiro Alexander Kellner , atual diretor do Museu Nacional e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, confirmam a abundância da região. Ali, crava Kellner, se "encontram dois dos principais depósitos fossilíferos do Brasil e do mundo: as formações Crato e Romualdo".
Tecido incomum. Em 1984, segundo o Guia para Trabalhos de Campo em paleontologia na Bacia do Araripe, o pesquisador brasileiro Diógenes de Almeida Campos descreveu "a preservação da membrana alar de um pterossauro". Quatro anos depois, o inglês David Martill "relatou a preservação de fibras musculares, pele e ovário com ovos e restos estomacais em um Rhacolepis".
Só recentemente, fora dos domínios da Bacia do Araripe, dois pterossauros foram descritos no Brasil. Em 2014, atesta Renan Batim, os paleontólogos Luiz Weinchu e Paulo Manzig, do Centro Paleontológico da Universidade do Contestado (Cenpaleo), e Alexander Kellner publicaram artigo científico revelando o Caiuajuara dobruskii, no Paraná.
Os ossos do Caiuajara foram descobertos por agricultores, em 1971, numa propriedade rural particular em Cruzeiro do Oeste, mas passaram anos confinados em um armário do museu do Cenpaleo, em Santa Catarina. Retomada as pesquisas, foram feitas novas coletas no "cemitério" das ossadas e, finalmente, conseguiram definir a espécie da família dos Tapejaridae.
Do mesmo arquivo do leito de ossos, numa área que no passado foi um deserto, também saíram os fósseis que revelaram o Keresdrakon vilsoni ou "Dragão espírito da morte". Uma nova espécie de pterossauro, que habitou o Brasil entre 80 e 110 milhões de anos.
O réptil voador foi apresentado neste mês à comunidade cientifica e passou a fazer parte da coleção do Museu da Terra e da Vida, na Universidade do Contestado, em Mafra. No artigo sobre a descoberta, publicado na Revista da Academia Brasileira de Ciências, a assinatura de Renan Bantim e paleontólogos de sete instituições.
Luiz Carlos Weinschütz, coordenador do estudo e professor da Cenpaleo, afirmou que a novo pterossauro provavelmente vivia em pequenos grupos, em áreas desertas, com pouca vegetação e oásis de água. O réptil voador é contemporâneo dos dinossauros, de carnívoros e foi considerado de grandes dimensões, com bico grande e forte.
Os pesquisadores concluíram que o Keresdrakon vilsoni tinha 2,50 metros de envergadura e pesava entre 15 kg e 20 kg. Como o réptil alado não tinha penas, ele teria de ser muito leve para voar e tinha ossos muito finos. "Uma espessura de 1,5 mm", segundo Luiz Carlos Weinschütz. E era um pouco menor que a maioria dos pterossauros encontrados no Geopark Araripe.
Renan Bantim usou da paleohistologia para auxiliar decifração do "dragão" do Paraná, uma técnica em evidência nas pesquisas mundiais, mas pouco explorada no estudo de fósseis no Brasil. Por causa de sua especialidade e a referência dos achados no Ceará, o paleontólogo já havia participado antes da descrição de 260 ovos de um pterossauro da espécie Hamipterus tianshanensis. Eles foram encontrados no deserto de Hami, no nordeste da China, por pesquisadores chineses do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia da China (IVPP).
"O extraordinário é que continham centenas de ovos, junto com filhotes, embriões, e indivíduos adultos machos e fêmeas, representando uma população de pterossauros que viviam em um oásis", vibra Bantim, doutor em Geociências pela Universidade Federal de Pernambuco e professor substituto da Urca.
Bantim, Álamo Saraiva e Artur Souza, do LPU, estão tentando abrir novas passagens para a pré-história a partir de estudos inéditos de um crânio quase completo e o bico de um novo fóssil de pterossauro do Geopark Araripe. Será o 26º descrito.
O pterossauro ainda não tem nome. Porém há indícios de que o réptil voador também seja da família dos tapejaridae. Espécie abundante da Chapada do Araripe encontrada, geralmente, na formação Romualdo. O fóssil, regatado em 2017 pela Polícia Federal de traficantes especializados, seria uma "criatura em idade juvenil". Uma chave inédita para novas travessias pela era dos dinossauros a partir do Ceará. (Demitri Túlio)