"Edmilson Filho publicando vídeos com passagens bíblicas?". Talvez pergunte-se com a novidade. Primeiro, não é humor, apesar de tê-lo. É o humorista à vontade, sendo, não menos que um bom contador de histórias. E, por que não de escritos evangélicos? Quem teve a ideia de traduzi-los para uma linguagem popular, em formato de pequenos episódios no Instagram do artista - hoje com quase 295 mil seguidores -, foi o escritor e roteirista Tarcísio Matos, cronista do O POVO e autor do "Grande Dicionário da Fala Cearense", que ganhará publicação em dezembro.
Tarcísio conta que o primeiro texto foi escrito, sem maiores pretensões, por outro amigo "invocado", o juiz federal Marcos Mairton, amante da fala nordestina. O nome de Edmilson veio na sequência, junto com a proposta de interpretação. Resultado? Liga na certa. Assim, a palavra de Cristo, segundo seu primeiro autor para o cearensês, contou com boa receptividade na rede social e o trio passou a produzir novos materiais, agora a seis mãos.
"É todo mundo sempre tendo algum elogio para dizer, ou dizendo que salvou o dia, ou dizendo que fazia tempo que não se emocionava e ria ao mesmo tempo", celebra Edmilson Filho, motivado pelo feedback positivo. "É muito gratificante, principalmente nos tempos que a gente está vivendo", avalia o artista, em entrevista ao O POVO por telefone dos Estados Unidos, onde vive há alguns anos com a família.
A meta agora, segundo ele, não é bem uma meta. É estar ao alcance de quem quer se sentir tocado pelo teor dos conteúdos, que fazem sorrir, mas também refletir. "Porque é nessa hora que praticamente se une ou cristão, ou não cristão, ou quem acredita, ou quem não acredita, ou crente, ou não crente". "Porque as histórias são bonitas", justifica Edmilson buscando ir além do entretenimento para entregar "a lição que a maioria das passagens bíblicas traz". E aí é que ele mostra que não só de cearensês entende bem.
"Eu estudei a Bíblia quando era pequeno. Até uns seis, sete anos de idade, vinha uma pessoa me ensinar sobre a Bíblia em casa e, depois disso, eu sempre fui muito ligado em relação à ler, a entender, a questionar, a saber a parte histórica...", revelou com um riso discreto. "É um lado Edmilson que talvez as pessoas não conheçam. Mas eu sou muito familiarizado realmente com as passagens bíblicas, principalmente do Novo Testamento", o que lhe ajuda de certa maneira na interpretação dos textos.
De bônus, para quem o assiste, o carisma, que é, de longe ou de perto, ao vivo ou gravado, inevitável. "Essa nossa coisa do cearensês, da linguagem nordestina e ser um bom contador de história. Eu acho que isso aí é o ponto principal (risos). Não fosse um bom contador de história, acho que não tinha a mesma força".
"É ele quem dá vida, brilho, que faz sentido", atribui Tarcísio Matos ao mérito do amigo humorista. "A gente dá clareza, com uma linguagem compreensível", diz sobre os textos compartilhados - e melhorados - durante conversas ao telefone. "O Edmilson nunca saiu do Ceará. Ele sai do Ceará, mas o cearensês não sai dele", enfatiza o roteirista.
"Eu rio quando ele fala porque é de uma singeleza, quando ele interpreta, que eu fico admirado. A capacidade que ele tem de transformar numa linguagem corriqueira, humana, aquilo que Jesus disse. Ao final, o grande lance", destaca o amigo, referindo-se à parte com mensagens opinativas, sempre ao final dos vídeos. "É aquela história, quem faz humor, sabe fazer também refletir, e até chorar". Talvez e é porque seja verdadeiro, como narra espontaneamente para a câmera.
"Eu não sou uma pessoa de religião, mas eu sou religioso. Essa religiosidade me segue desde sempre. Por incrível que pareça, eu sou um crente, digamos, estudioso das religiosidades, do mundo, não só da cristã, mas das outras também", comenta Edmilson, que também por fazer cinema (é o cara do "Cine Holliúdy", de Halder Gomes), cresceu vendo filmes e dramas bíblicos. "Essa religiosidade está em mim sempre, e não é 'restim' não, é muito (risos)". Aproveita para pensar adiante.
"Acho que esse projeto é bom independente de qualquer momento que a gente esteja vivendo, porém, nós estamos nesse momento de crise mundial, de pandemia, e as pessoas realmente vão procurar algo espiritual para poder ter algum tipo de 'sustento'", acredita. "O interessante desse momento é que acho que as pessoas estão prestando mais atenção", percebe o cearense, que agradece a receptividade de quem o escreve, curte, comenta, compartilha. "Você traz uma alegria, uma comicidade, uma palavra espiritual", credita a um combo, para ele, infalível. E de um jeito que é Edmilson Filho, não outro.
"A comédia vem por conta dessa cearensidade, que já é muito engraçada de qualquer forma. Por exemplo, se Jesus fala 'vens a mim' aí a gente muda e coloca 'bora rapaz!'. Uma palavrinha que a gente coloque que vai dar o mesmo sentido, mas tem uma comicidade", explica aos novatos no cearensês, caso não seja daqui e tenha gosto pelo material que é publicado. "A comédia às vezes está numa expressão, no olhar, na entonação", adianta reforçando cuidados que deixam inalterada a essência do trechos "sagrados".
E quem está acompanhando, em breve, prepare-se para além do Instagram. "Esse é um primeiro passo, a aceitação está sendo 100%, e daí quem sabe a gente pode entrar em quadrinhos, fazer uma série com atores, filme, eu acho que é uma linguagem aí que nós temos, que está ao nosso dispor, junto com o talento dessas pessoas que estão comigo - como eu falei do Marcos e do Tarcísio - e outros diretores e outras pessoas que eu vou chamar à bordo". "A gente pode fazer coisas inimagináveis. Tudo é esperar esse momento passar e ver o que vem pela frente. Vai render muito, ainda".
A escolha dos trechos para irem ao ar é aleatória. Mixando Velho e Novo Testamento, os vídeos já contemplaram histórias sobre Davi e Golias, Arca de Noé, a mulher adúltera o milagre dos peixes, o mais recente, O bom ladrão, do livro de Lucas (veja vídeo). "A bíblia nos dá um leque infinito de traduções", celebra o ator, com fôlego - de sobra - para torná-las "só o milho debulhado".