Ana Márcia Diogénes é jornalista, professora e consultora. Mestre em Políticas Públicas, especialista em Responsabilidade Social e Psicologia Positiva. Foi diretora de Redação do O POVO, coordenadora do Unicef, secretária adjunta da Cultura e assessora Institucional do Cuca. É autora do livro De esfulepante a felicitante, uma questão de gentileza
O uso de termos indevidos promove o achatamento das individualidades e distorce o coletivo, além de que alguns são considerados crime no Brasil
Se todos que nascem passam a contar a idade pelo correr do tempo de vida, o que diferencia uma pessoa “de idade” das demais que também estão vivas? Fiz esta indagação, já este ano, quando ouvi alguém dizer uma frase com a expressão “pessoa de idade”.
A resposta que recebi, por meio do dedo indicador de quem falava, apontava para pessoas entre 60 e 70 anos, possivelmente. Quer dizer, “de idade” seriam os que têm mais idade. Basta uma breve incursão nas redes sociais para entender como essas falas nos emaranham em algo muito específico: o preconceito.
Se a gente digita “pessoas de idade”, uma das primeiras menções a aparecer é “Como chamar pessoas de idade?”, que vem seguida da resposta: “Velho, idoso, terceira idade, melhor idade, sênior”. Ou seja, “de idade” seria, na verdade, “mais idade”. Só que isso não é dito de forma direta. Ser velho não deve ser vergonhoso. É sinal de estar vivo.
Movendo nossa reflexão para outra faixa etária, lembrei o termo preconceituoso “menor” ou “de menor”. As duas formas são consideradas vagas e inapropriadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, desde 1990. E o motivo é que são pejorativas, ao rotularem crianças e adolescentes como pessoas sob a tutela da família ou de outros. Tiram delas o fato de serem sujeitos de direitos, conforme a legislação em vigor no país.
Para alguns essa conversa pode soar exagerada, algo como um “mimimi” intelectual. Insisto que não. É pela escolha das palavras e de expressões que podemos reforçar um preconceito ou fazê-lo minguar por falta de uso.
Exemplos? Cor do pecado, negro de alma branca, aborrecente, doente mental, estou mais perdida que cego em tiroteio, você está sendo meio autista. A lista de formas de humilhar, ofender ou atacar a imagem de alguém é interminável.
A questão não é ter ou não a intenção de ofender, e muito menos de que seria apenas uma questão cultural, de hábito. Essas são desculpas com as quais algumas pessoas se protegem para não mudar os padrões perversos de interação social em torno da diminuição do outro. Palavras ou termos assim ofendem. Ninguém deve usá-los por uma questão ética e não porque alguns preconceitos dão cadeia.
Já não bastariam as expressões que trazem em si, historicamente, a diferença de gênero? Conversando sobre este tema com o psicólogo James Lopes ele lembrou que algumas palavras carregam relações de poder. E citou dois exemplos que, de tão incorporados no nosso cotidiano, passam muitas vezes abaixo do radar da percepção de preconceito.
Uma é a palavra "patrimônio", que tem o radical "pai" e a outra, "matrimônio”, com o radical "mãe", como se nelas tivessem incutidas determinadas funções sociais exclusivas de que o pai trabalha e gera renda e a mãe cuida do casamento e do lar.
É necessário que cada um que pare e reflita sobre o que as palavras escondem ou revelam, sobre as que não foram ainda revistas, mesmo tendo como referência valores relacionados a situações sociais e/ou econômicas que não mais existem.
Ou seja: idade é para todos os vivos, crianças e adolescentes são sujeitos de direito, racismo é crime, mulheres constroem patrimônio, discriminar ou recusar acessibilidade e inclusão é criminoso.
Usar palavras indevidas promove o achatamento das individualidades, distorce a história e induz à manutenção de padrões não mais aceitáveis. Nossa fala pode nos tornar menos ou mais humanos.
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