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Quantas mais morreremos? A epidemia de feminicídios no Brasil
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Cientista política, professora e pesquisadora. Doutoranda em Ciência Política na Universidade de Brasília, mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí, pesquisa políticas públicas. Faz parte da Red de Politólogas e da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas. Escreve sobre política, literatura e psicanálise

Quantas mais morreremos? A epidemia de feminicídios no Brasil

Acreditar que apenas homens maus, monstros ou transtornados praticam violência é ignorar que o homem comum é um feminicida em potencial. Basta que a misoginia seja autorizada no cotidiano para que o mais comum dos homens promova a violência
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FORTALEZA, CEARÁ, 07-12-2021: Julgamento do caso Stefhani Brito, realizado no Fórum Clóvis Beviláqua.Movimentos de resistência realizaram protestos em frente ao local, reinvidicando justiça pelas vítimas de feminicídio. (Foto: Fernanda Barros Especial Para O Povo) (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA, CEARÁ, 07-12-2021: Julgamento do caso Stefhani Brito, realizado no Fórum Clóvis Beviláqua.Movimentos de resistência realizaram protestos em frente ao local, reinvidicando justiça pelas vítimas de feminicídio. (Foto: Fernanda Barros Especial Para O Povo)

Um homem violenta e assassina uma mulher que saiu de casa para nadar. Um servidor público comete duplo feminicídio contra colegas de trabalho, ele se recusava ser chefiado por mulheres. Um "influenciador" de masculinidade é preso por agredir a namorada, após a audiência de custódia foi solto. Um homem atropela a namorada, ela não morreu, mas teve as duas pernas amputadas.

Uma sequência de cenas que escancaram a misoginia como fenômeno social e político, mas que são tratadas como acontecimentos individuais, localizados e não sistêmicos, explicados pela moralidade ou patologização. É um lugar comum a leitura de casos acima como responsabilidade apenas dos perpetradores da violência.

Mas acreditar que apenas homens maus, monstros ou transtornados praticam violência é ignorar que o homem comum é um feminicida em potencial. Basta que a misoginia seja autorizada no cotidiano, basta que a cultura vigente incentive o exercício de poder e dominação para que o mais comum dos homens promova a violência. O cenário que vivemos não é por acaso.

No recorde de feminicídios de 2024 ecoa a violência política de gênero que fundamentou a destituição da primeira mulher eleita para a presidência do país. Na escalada de violência com arma de fogo ecoam as risadas do ex-presidente militar encenando atirar com metralhadora em oponentes. Nas manchetes de jornal que escorrem sangue ecoam as estruturas de poder que lucram com a banalização da morte. E no centro, o Estado, que decide quem vive e quem morre, quem tem direito ao luto.

Não há solução para a violência de gênero que não passe pela atuação do Estado, mas, paradoxalmente o Estado é a principal instituição que cria, replica e reforça as estruturas de gênero da sociedade em que vivemos. E os agentes estatais, burocratas que regulam o acesso a direitos, são pessoas que muitas vezes não questionam os efeitos da própria percepção e preconceitos na vida da população.

Porque na raiz do problema está a ilusão de que há uma separação entre público e privado e que gênero é uma questão da vida privada, portanto, não há motivo para se tratar disso na vida pública. Erro crasso que custa muitas vidas.

É preciso o compromisso estatal para que a violência de gênero seja erradicada, compromisso este que demanda financiamento público para ações intersetoriais e articuladas, não basta criminalizar a misoginia, como não bastou a tipificação do feminicídio.

Seguimos produzindo e analisando dados, mas sem políticas que enfrentem o problema de forma sistêmica, é como enxugar gelo. Seguimos escrevendo textos para jornais na esperança de que um dia, a notícia seja diferente. Mas é preciso vontade política para mudar o destino de um país. É justamente o que está em falta.

 

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