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A recepção a Carlo Ancelotti mirou na hospitalidade e acertou na subserviência
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, em 2018, virou editor-adjunto de Esportes. Trabalhou na cobertura das Copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Esportes do O POVO, depois de ter chefiado a área de Cidades. Escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO

André Bloc esportes

A recepção a Carlo Ancelotti mirou na hospitalidade e acertou na subserviência

Paparicado, Carlo Ancelotti foi apresentado como novo técnico da seleção brasileira. O que me fez pensar sobre a deferência tipicamente nacional àquilo que vem de fora
Técnico Carlo Ancelotti foi apresentado pela CBF como novo técnico da seleção brasileira (Foto: Mauro PIMENTEL / AFP)
Foto: Mauro PIMENTEL / AFP Técnico Carlo Ancelotti foi apresentado pela CBF como novo técnico da seleção brasileira

Carlo Ancelotti foi recepcionado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) de uma maneira, digamos, faustônica. Ou seja, com um longo desfiar de agradecimentos, sorrisos e depoimentos de conhecidos e famosos, que se dobravam à carreira do italiano, tal qual os convidados do "Arquivo Confidencial", imortalizado nos domingos da família brasileira frente à TV.

Foi uma cena de humildade que beira a subserviência, o que me remeteu a uma fala do capitão do penta, Cafu, em entrevista ao O POVO há cerca de um mês. Eu sempre assumi que o "protecionismo" de boleiros e treinadores contra estrangeiros no cargo de técnico da seleção era só uma xenofobia acanhada, mas teve o argumento do ex-lateral-direito tem um mérito. "Se for qualquer treinador estrangeiro, você não vai mandar ele embora daqui a um ano, vai? Essa paciência tem que ter com os nossos também".

A fala não era sobre Carletto, que nem fora contratado até então. Mas ainda que eu discorde parcialmente de Cafu, a dimensão de festa na chegada do multicampeão ex-treinador do Real Madrid — e do Milan, e da Juventus, e do Chelsea, e do PSG, e do Bayern de Munique — chama atenção quando comparadas às desminliguidas chegadas (e saída) de Fernando Diniz e Dorival Júnior. Não que eu defenda o trabalho deles. Nem mesmo teria os chamado à ação. Mas quem fez a cama parece sempre com pressa para encontrar uma companhia europeia para nela deitar.

Há inegavelmente uma paciência maior para treinadores estrangeiros no Brasil. E o problema não é a tolerância com que eles são tratados, mas o quanto a lâmina é previamente amolada para os de cá.

Carlo Ancelotti é o maior treinador europeu de clubes da história. O que não faz ele ser pentacampeão de Copa do Mundo. Ele nunca comandou uma seleção. Atual campeão mundial com a Argentina — com um trabalho brilhante —, Lionel Scaloni provou que a falta de experiência não é motivo para barrar uma experiência.

O brasileiro vive um eterno desequilíbrio entre a hospitalidade e o viralatismo. O ponto do doce é difícil, mas um bocado de altivez não machuca. Até porque quem vai consertar a seleção são os 25 convocados em campo. Ancelotti pode ser um guia.

Às vezes, o de fora é melhor. Ancelotti, nos clubes, é melhor que todos. Mas nem sempre. É como a posição dos times cearenses, os nordestinos, na mídia nacional. Somos tratados como nota de rodapé, no máximo uma anedota com ares de Cinderela.

A gente precisa de um pouco de orgulho de onde viemos. Os próprios clubes precisam de mais amor próprio. O que vem daqui presta. Quase sempre.

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