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Quem quer casar com um herói de guerra ucraniano?
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Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

Quem quer casar com um herói de guerra ucraniano?

Quase 3 anos sob ataques diários, a Ucrânia luta pelo seu território. E, tão importante quanto, também por simpatias, mentes e aliados — mesmo os mais improváveis: os românticos e românticas do mundo todo
Tipo Opinião
Teren lutava em Izium, quando as bombas caíram sobre a cidade. Foi enterrado-vivo, em uma montanha de destroços (Foto: Reprodução Instagram de Teren (tsvit_terenu))
Foto: Reprodução Instagram de Teren (tsvit_terenu) Teren lutava em Izium, quando as bombas caíram sobre a cidade. Foi enterrado-vivo, em uma montanha de destroços

Quem quer casar com um jovem e belo veterano da Ucrânia, que perdeu as duas pernas na guerra? Logo depois do lançamento de uma nova temporada de “The Bachelor”, versão ucraniana, a pergunta colapsou o portal do show televisivo. O recorde no número de candidatas ganhou espaço nos jornais no mundo todo, prometendo uma competição acirrada. Mas os produtores deverão lançar-se em uma estrita prévia seleção.

Até porque a estrela do show, Oleksandr Budko, mais conhecido por Teren, tem exigências, para além do amor. A primeira: a moça deve ser uma ferrenha defensora da causa ucraniana. Porta-voz de uma Ucrânia forte e unificada, dos veteranos de guerra ucranianos e dos espaços inclusivos para os feridos nos combates. À mínima dúvida, nada de rosa vermelha do rapaz, que se tornou o símbolo da esperança na Ucrânia.

Teren lutava em Izium, quando as bombas caíram sobre a cidade. Foi enterrado-vivo, em uma montanha de destroços. Os companheiros tiraram-no de lá, mas as dores terríveis nas pernas trouxeram logo a suspeita de uma amputação.

Pelo menos estava vivo, ao contrário das cerca das 400 pessoas que ficaram soterradas, sob as ruínas — encontradas depois em fossas comuns, quando os ucranianos retomaram o lugar.

Enquanto recuperava-se e adaptava-se à nova vida, inaugurou as próteses em uma companhia de ballet, participou de jogos olímpicos, escalou montanhas, lançou um livro, tornou-se youtuber e influencer. Tudo isso e um pouco mais em um espaço de dois anos.

Os produtores de The Bachelor — o programa tinha sido suspenso por conta da guerra — não tiveram dúvida. Para a volta do reality-show, previsto para o final deste ano, tinha de ser ele.

No papel principal, Teren vai aparecer na televisão na sua farda de soldado. Aos jornalistas, diz que os veteranos de guerra não são outsiders, mas cidadãos como os outros, com uma vida normal. A dele, inclusive, melhor que a vida anterior às feridas de guerra, confessa.

Teren participou de jogos olímpicos, escalou montanhas, lançou um livro e tornou-se youtuber e influencer.(Foto: Reprodução Instagram de Teren (tsvit_terenu))
Foto: Reprodução Instagram de Teren (tsvit_terenu) Teren participou de jogos olímpicos, escalou montanhas, lançou um livro e tornou-se youtuber e influencer.

Antes da invasão russa, era barista em um restaurante de Kiev, enquanto estudava desenho gráfico. Agora é um rosto popular, com milhares de fãs na Ucrânia. E fora dela.

Quanto ao amor? Hum. Ele diz que sim, mas não tenho tanta certeza. A volta em grande estilo de um reality-show, que vende a ideia de um príncipe encantado tem outros objetivos, em um país em guerra – que este, o de casar Teren.

Quase três anos de guerra pesam demasiado sobre o país e hoje, mais do que nunca, o desfecho do conflito é incerto. As estratégias têm de ser revistas. E a Ucrânia sabe trabalhar com a imagem nacional como ninguém.

Se Teren encarna hoje a força e a coragem do soldado ucraniano — a fênix que ressurge ainda mais forte das cinzas de Izium — é porque toda guerra precisa de heróis inspiradores. A Ucrânia luta com tudo o que tem.

Depois de lançar uma porta-voz digital do Ministérios dos Assuntos Consulares, trabalha para levantar o moral da população neste fim-de-ano invernoso e complicado. Principalmente com a eleição de Donald Trump. Bom seria mudar um pouco a programação.

Ao invés de balas e mortes na tevê — por que não? —, um ex-soldado bonitão, um roseiral florido e bem vermelho, e muitos favos de mel. Não piora a diabetes de ninguém nem tem contraindicações, mas atenua-se a tristeza, distrai-se da desolação, esquece-se por uns minutos a revolta de uma guerra — talvez perdida ou por um fio.

Único problema? Teren é uma exceção à regra, em ter beijos e rosas. Longe das telas, heróis sobreviventes como ele — os mesmos ferros nos corpos e os mesmos traumas de guerra — são vistos como problemáticos e ameaçadores, pela sociedade ucraniana. Embora Teren lute para uma mudança desse olhar, são outsiders e com eles, ninguém quer casar.

Foto do Ariadne Araújo

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