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Bem-haja a todos e todas
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Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

Bem-haja a todos e todas

Nada contra o velho e bom obrigado/obrigada, mas agora aprendi uma cena nova: que o chique em Portugal é dizer bem-haja. Já ando por aí a espalhar a velhíssima novidade
Tipo Crônica
Imagem ilustrativa de apoio. ParaTodosVerem: mão segura uma xícara de café branco com borda decorada, sobre um pires com grãos de café, em mesa de madeira clara dentro de uma cafeteria (Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO)
Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO Imagem ilustrativa de apoio. ParaTodosVerem: mão segura uma xícara de café branco com borda decorada, sobre um pires com grãos de café, em mesa de madeira clara dentro de uma cafeteria

Tomar uma xícara de café, achar o gosto travoso e engasgar com a conversa ao lado. O que comprava um café disse ao que servia — bem-haja. O outro, emocionado, disse de volta — bem-haja. O senhor, assim tão gentil, deve ser da minha terra. Sim, das Beiras.

Descansei a xícara no pires, desinteressada de saber se era arábica ou robusta, para ouvir o festival de ora, essa, bem-haja; ora pois, bem-haja. Despediram-se assim, os dois desconhecidos, certos de que pertencem a um pequeno grupo de portugueses: os bem-educados.

Perguntei ao vendedor, então, o que queria dizer a expressão e de onde vem. O bem-haja é dito em todas as regiões chamadas de Beiras, em Portugal (a Baixa e a Alta). Porque não gostamos de estar obrigados a nada e a ninguém, dizemos bem-haja, que significa “tenhas tudo de bom”.

Tentei defender o “obrigado/obrigada”, puxando a origem da língua, lá pelo século doze, tempos do galego-português, quando as gentes estavam ainda obrigadas a um senhor de terras, ao rei, à Igreja e a Deus. Esvaziado de sentido hoje em dia, o obrigada ainda está em plena forma e, por que não, popular.

O travo do café foi outro. Descobri, falando com ele, pelo pouco caso com o obrigado, que o buraco é mais em baixo.

Dizer bem-haja é dizer diferente, é ser diferente, é pertencer às raízes deste país, lá nas suas beiras fronteiriças. Dizer obrigado é coisa de gente ignorante, de quem fala sem saber o que fala, é de quem se rebaixa. Até gosto do bem-haja, mas não acho que se enquadra, parece mais uma despedida: ficas bem, que obtenhas o que deseja. Doze anos a viver em Portugal, e ainda hoje descubro pérolas.

Voltei com isso na cabeça, repasso aos que desejam visitar o país ou se interessam pela nossa língua. Obrigado ou bem-haja, ficam os dois, já que o que interessa é a cultura da gratidão — e da gentileza. Grata por esta nova palavra, digo bem-haja a todos e todas.

Foto do Ariadne Araújo

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