Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.
Ah, Brasília, tão bela, tão verde, mas feita para carros. Em Lisboa, meninos e meninas andam sozinhos nas calçadas. Parece até um sonho, para um brasileiro. Mas os participantes do Colóquio Internacional para a Reapropriação das Cidades querem muito mais. Querem dizer de novo aos filhos: "vai, menino, brincar lá fora"
Foto: FÁBIO LIMA
Imagem ilustrativa de apoio. ParaTodosVerem: criança de costas brinca em um brinquedo giratório em um parquinho com piso emborrachado colorido. Ela usa camiseta preta, bermuda clara estampada e chinelos azuis
O sonho de vermos filhos e sobrinhos pequenos nos espaços públicos das cidades grandes, à pé ou no transporte público, nos parques ou nas ruas, sem a proteção ou vigilância de um adulto. No Brasil, essa pequena liberdade de ir e vir em segurança — aprendizado absolutamente importante para os jovens cidadãos —, parece ainda muito longe. Razão de muitas famílias migraram para a Europa, em busca dessa experiência de autonomia para os filhos, desde cedo.
Vindo agora de uma estadia em Brasília, onde meninos e meninas transformaram-se em “gatos de apartamentos”, com saídas em turmas em shoppings ou restaurantes — posso entender perfeitamente o sentimento destes pais.
Cresci em um tempo em que minha mãe, cansada da gritaria cheia de energia dos filhos dentro de casa, gritava: “vão brincar lá fora”. E nós percorríamos a rua, atrás de bolas e arraias, em bandos, até os limites do bairro. Tudo aquilo era nosso terreno de jogos. Mas as crianças de hoje perderam a rua. A rua é dos carros e de todos os perigos.
Na Eslováquia, um grupo de urbanistas, arquitetos, sociólogos, educadores, reuniram-se para pensar nisso: como tornar as cidades mais adaptadas aos pequenos?
Para brincadeiras no espaço público, para irem e virem nos transportes públicos ou a pé, em contato com a natureza e em segurança. Ou seja, não adaptar a criança ao espaço das cidades, mas ao contrário: ter menos carros nas ruas, mais pistas de bicicleta, mais aulas no exterior das escolas.
Há já algum esforço para se voltar a este tempo. Para se tirar a criançada de dentro dos apartamentos, de uma vida trancada e vigiada e, cada vez mais, sedentária. Além de pouco comunitária.
As chamadas “ruas de colégio”, por exemplo, começam a aparecer em força nas grandes cidades, como Londres. Ruas bloqueadas para carros, mesmo nas horas de aula. O que implica em menos estresse e mais tranquilidade na chegada e na saída. Há, no entanto, quem pense em ir mais longe.
Por exemplo, abrir os recreios para os espaços das ruas. Na Suíça, os engenheiros urbanos medem a altura das placas de sinalização, nos locais de maior passagem de crianças, para a altura de um metro e vinte, em média, o que equivale a uns nove anos de idade. Na Bélgica, artistas fazem arte de rua em lugares ao alcance da vista das crianças.
A ideia geral é tirá-los de dentro de casa, ensinar-lhes o gosto perdido de serem os donos das ruas. Logo cedo mostrar-lhes que a cidade é espaço de cidadania, de afetos, de memórias e de partilha. Não apenas um simples nome do lugar de nascimento, no dever de casa.
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