"DUT Eletrônico": modernização trouxe uma fraude à reboque
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Boris Feldman é mineiro, formado em Engenharia e Comunicação. Foi engenheiro da fábrica de peças para motores Metal Leve e editor de diversos cadernos de automóveis. Escreve a coluna sobre o setor automotivo no O POVO e em diversos outros jornais pelo país. Também possui quadro sobre veículos na rádio O POVO/CBN
“Você está ferrado!”. Esta foi a resposta simplória (mas real) do policial da delegacia de trânsito quando o dono de uma empresa de transportes em Belo Horizonte foi reclamar ter sido vítima de uma fraude. E o pior é que o policial, exatamente por conhecer os meandros da burocracia governamental, estava sendo rigorosamente honesto com a vítima.
A história: o cidadão comprou dois caminhões seminovos em São Paulo. Foi ao Departamento Estadual de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) e procedeu corretamente com todos os procedimentos burocráticos (que não são poucos) para transferi-los. O documento atual, eletrônico, chama-se Autorização para Transferência de Veículo (APTVe). É o substituto eletrônico do antigo DUT (impresso) e, por isso, ganhou o apelido de “DUT Eletrônico”.
Dias depois, surge no sistema informatizado do Detran os mesmos caminhões registrados em nome de outra empresa, no Pará (Carajás). Tudo “correto”: número do chassis, motor, placas (Mercosul), mas registrados num outro estado (Pará).
A empresa dona dos caminhões em Minas começa então uma longa peregrinação por delegacias especializadas para descobrir como podem aparecer registrados no outro estado. A delegacia não sabe, não tem ideia nem recursos para averiguar a fraude. A vítima imagina os vários riscos que pode estar correndo. A polícia do outro estado é acionada, mas se declara incapaz de resolver o problema.
A legítima proprietária dos caminhões tenta trocar as placas: “Não é possível, diz o delegado, clonagem de placa tem que ser provada e o processo é longo”.
Passados alguns dias, o dono dos caminhões, ao comentar o problema, fica sabendo de uma outra empresa na mesma situação. E também que até uma concessionária de caminhões foi vitima da mesma fraude. Parte do mistério então desvendada: no caso do caminhão zero km, as concessionárias os recebem caminhões da fábrica e ficam estocados sem placas até serem vendidos.
É quando se descobre ser impossível registrar a venda, pois a quadrilha foi mais rápida e registrou-os enquanto estavam estocados no pátio. Mas, afinal, e os caminhões que rodam com o registro fraudulento? Não seria possível descobri-los para resolver a situação?
No caso da concessionária, nenhum outro veiculo roda com placas clonadas ou irregulares: o golpe aplicado por diversas quadrilhas em diversas regiões (preferencialmente em concessionárias de caminhões pelo valor mais elevado) é simplesmente para obter um falso financiamento que tem o veículo como garantia.
Prejuízo de fato será do banco que financiou a “compra” inexistente e da concessionaria que ficará meses sem condições de faturar os veículos. No caso dos dois caminhões seminovos, existem outros dois circulando de fato. E todo este imbróglio surgiu (ou foi extremamente facilitado) depois que se “modernizou” o sistema de transferência de veículos, do antigo DUT para o APTVe.
Por que a facilidade? Pela possibilidade de se obter, pela internet, todos os dados do veículo para emissão de uma nota fiscal fraudulenta, ou da emissão da “DUT Eletrônica” (APTVe) também falsificada. Com números de chassis e motor, cor e outras características, é possível emitir uma Nota Fiscal – pois os números estão de acordo com os emitidos pela fábrica - e registrar o veículo em outro estado.
No caso do dono da empresa em BH, ele conseguiu rastrear a operação para descobrir que, além do financiamento, existem de fato dois caminhões rodando com suas placas. Pertencem a uma empresa de refrigerantes localizada num endereço falso em Carajás (PA).
Por isso, o policial tinha razão ao prever muita “canseira”, pois o dono do caminhão não tem nenhuma culpa no cartório, mas “está ferrado” assim mesmo…
Esta é uma das diversas situações surreais onde o cidadão não tem rigorosamente culpa nenhuma, mas perde tempo, dinheiro e, às vezes, até credibilidade na praça.
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