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O poder da multidão
Foto de Carolina Lindenberg Lemos
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Linguista e semioticista, professora da Universidade Federal do Ceará, com doutorado na Universidade de Liège (Bélgica) e pós-doutorado na Universidade de São Paulo

O poder da multidão

Uma das imagens que circularam chamando para os atos e domingo fazia uma justaposição das figuras de Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil nesta manifestação de 21 de setembro e na dos Cem mil em junho de 1968. Paralelo sugestivo
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL,21-09-2025: Manifestação contra PEC da Blindagem, com cartazes e bandeiras na Praia de Iracema. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo) (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL,21-09-2025: Manifestação contra PEC da Blindagem, com cartazes e bandeiras na Praia de Iracema. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

No fim do dia 21 último, fomos inundados pelas imagens das manifestações pelo País. A reação à aprovação da PEC da Blindagem na Câmara dos Deputados espalhou-se pelas ruas. Ao lado disso, circula na internet um abaixo-assinado proposto pela deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) que já conta com mais de 1,5 milhão de assinaturas. A PEC, se aprovada, impediria a investigação e julgamento dos membros do Congresso nacional sem antes a anuência de seus próprios membros, e isso em regime de voto secreto.

Uma das fotos que circularam foi a justaposição das figuras de Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil na manifestação deste 21 de setembro e na manifestação dos Cem mil em junho de 1968. O paralelo é sugestivo. A manifestação de 1968 opunha-se à crescente repressão do governo militar e foi um dos movimentos de resistência que levaria o governo federal a impor seu ato de maior repressão e violência: o AI-5.

Não estamos hoje, obviamente, num regime totalitário, mas aquilo que visam perpetrar os apoiadores da PEC da Blindagem tem ares de regime de exceção. Segundo Giorgio Agamben, se o soberano pode proclamar o estado de exceção, então ele está fora da lei pelos próprios meios da lei. Como dizia, não estamos num tal regime, mas o que se deseja com essa Proposta de Emenda à Constituição é introduzir a exceção no seio do ordenamento cotidiano, uma vez que viola o princípio de igualdade e estabelece duas categorias de indivíduos perante a lei, colocando os parlamentares como cidadãos a parte, segundo Roberto Dias, professor de direito da FGV-SP. Isso sem falar do rompimento com a autonomia dos poderes, base do estado de direito em que vivemos, pois cercearia a Polícia Federal em sua função de investigar e o Supremo Tribunal Federal em sua função de julgar.

Por se tratar de um retrocesso no controle dos atos praticados por parlamentares, a PEC da Blindagem, ao lado das propostas de anistia para os golpistas de 8 de janeiro de 2023, apresenta-se como uma reação clara à investigação, a pedido do STF, das emendas parlamentares que constituem o dito Orçamento secreto. Descobrem-se de um lado pela investigação das emendas, resguardam-se de outro com a Blindagem.

De volta às manifestações, a multidão, as cores, os cantos em todo o país enchem de esperança de que abusos da ordem dessa PEC ainda podem ser freados pela mobilização popular. De fato, no dia seguinte, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que "é o momento de tirar da frente todas essas pautas tóxicas". Resta-nos guardar algo desse entusiasmo para garantir que se cumpra a promessa de Motta de retomar as pautas da reforma administrativa, do imposto de renda e da segurança pública. n

 

Foto do Carolina Lindenberg Lemos

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