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Caetano Veloso, um canto político do oitentão
Reportagem Seriada

Caetano Veloso, um canto político do oitentão

Neste domingo, 7 de agosto, Caetano Veloso completa 80 anos. Também em 2022, o baiano celebra os 50 anos do fim do exílio e segue com uma carreira musical atenta às questões políticas do País
Episódio 8

Caetano Veloso, um canto político do oitentão

Neste domingo, 7 de agosto, Caetano Veloso completa 80 anos. Também em 2022, o baiano celebra os 50 anos do fim do exílio e segue com uma carreira musical atenta às questões políticas do País
Episódio 8
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Em tempos de turbulência política, econômica e social, a voz do público ecoa em gritos de manifestações por mudança. As cortinas foram abertas, os olhos estão arregalados e o povo clama aos seus ídolos por um posicionamento claro e congruente aos princípios que defendem. Mas, apesar de hoje ser preciso colocar pressão em cima daqueles que possuem maior projeção de voz, houve um tempo em que a opinião era imediata e voluntária. Caetano Veloso é uma das vozes que há décadas realiza esse movimento.

Apesar de a música estar presente em sua vida desde cedo, foi na década de 1960 que Caetano surgiu no cenário nacional ao ser lançado pela própria irmã, Maria Bethânia. Um conhecimento básico de história lembrará outro acontecimento que marcou essa década: a ditadura militar, instituída em 1964 no Brasil. Ou seja, em meio aos 50 anos em que o músico voltou do exílio, não tem como falar de sua trajetória sem falar sobre política, pois seus primeiros anos de carreira foram diretamente afetados pela ditadura.

 


O início de tudo

Caetano Veloso na infância(Foto: Reprodução/Jovem Pan)
Foto: Reprodução/Jovem Pan Caetano Veloso na infância

Prestes a completar 80 anos, Caetano Emanoel Viana Teles Veloso nasceu no dia 7 de agosto de 1942 em Santo Amaro, Bahia. Ele é o quinto de sete filhos de José Teles Velloso e Claudionor Viana Teles Velloso. Desde cedo, mostrou sua aptidão na arte, principalmente na música. Aos quatro anos, foi ele quem escolheu Maria Bethânia como nome da irmã recém-nascida, inspirado na canção homônima que foi sucesso na voz do cantor Nelson Gonçalves.

Em 1960, Caetano se mudou para Salvador com a família, aprendeu a tocar violão e passou a cantar nos bares da capital baiana ao lado de Bethânia. Um ano depois, passou a escrever críticas cinematográficas para o Diário de Notícias e teve como chefe o diretor e conterrâneo Glauber Rocha. Em 1963, ingressou no curso de filosofia da Universidade Federal da Bahia, apesar de nunca ter concluído. Participou de uma série de espetáculos semi amadores ao lado de Tom Zé, Maria Bethânia e Gilberto Gil, como "Nós, por exemplo", "Mora na filosofia" e "Nova bossa velha, velha bossa nova" no ano de 1964. Até que a partir da irmã, já conhecida na época, Caetano teve sua estreia nacional.

Ao lançar o disco “Maria Bethânia” em 1965, a cantora apresentou três composições do irmão, incluindo “Sol Negro”, com participação de Gal Costa. Gal, na época, ainda assinava com o nome de batismo, Maria da Graça. No mesmo ano, Caetano lançou seu primeiro disco de vinil com as canções "Cavaleiro" e "Samba em Paz", ambas de sua autoria. Em 1967, lançou seu primeiro LP, em parceria com Gal Costa, intitulado “Domingo”, e que trazia sonoridade da Bossa Nova. No mesmo ano, estreou seu primeiro LP individual, o “Caetano Veloso”. Mas esse não era um lançamento qualquer, era o início de um novo capítulo para a música no Brasil.

 

 

 

Tropicália

 

 

Em meio a ditadura militar, o tropicalismo se utilizava da estética e das figuras de linguagem para contornar a censura. “Alegria, Alegria”, apresentada pelo cantor no Festival da Música Popular Brasileira da Record, é um exemplo disso. “Caminhando contra o vento / Sem lenço e sem documento / No Sol de quase dezembro / Eu vou”, diz um dos trechos. Talvez, sem relacionar com o contexto histórico original, os versos podem ser ouvidos como apenas outro trecho de música. Mas em meio a ditadura, "caminhar contra o vento" e "sem documento" é uma declaração de liberdade e oposição.

A postura inconformada do cantor o tornou alvo dos militares. No dia 27 de dezembro de 1968, Caetano, ao lado de Gilberto Gil, foi preso. Ele foi acusado de fazer propaganda socialista e homenagear Che Guevara ao lançar o disco "Che". Além disso, ele e Gil teriam feito paródia do hino brasileiro durante um show, de acordo com um documento oficial do Estado brasileiro. Mas era tudo mentira. Nunca houve um disco chamado “Che”, nunca houve paródia do hino brasileiro.

"É uma loucura, nunca fiz nenhuma música chamada Che, não houve apreensão de disco meu. Nenhuma apreensão de discos meus naquela época. Inverdades, falta de cuidado com a averiguação dos fatos." - disse Caetano em entrevista ao El País

No quartel do Exército de Marechal Deodoro, no Rio, os cachos de Caetano foram cortados e sua cabeça raspada. "Nos prenderam meio sem saber o porquê. Nos interrogatórios tinha uma ignorância muito grande do que estava acontecendo. Ficamos um mês presos sem ninguém explicar o que estava acontecendo, nada. Só me jogaram em uma solitária e Gil em outra", disse ao participar do programa “Altas Horas” em 2021. Caetano e Gil foram soltos no dia 19 de fevereiro de 1969 e passaram a viver confinados em Salvador, onde diariamente precisavam se apresentar a um coronel e não podiam aparecer nem prestar declarações públicas. Até que em julho, partiram para o exílio em Londres. Caetano só retornou ao Brasil definitivamente em 1972.

“Quando eu cheguei em Londres, (...) aquilo me abateu muito, fiquei muito deprimido, muito amedrontado. Então cheguei em Londres e fiquei deprimidíssimo por estar fora do Brasil, porque fui expulso daqui. Ser brasileiro para mim não é um acaso indiferente. Pode ser pra muitas pessoas, talvez seja saudável que seja, mas não é pra mim. Pra mim isso tem um significado assim, essencial, que diz alguma coisa a respeito do meu ser. Então, estar expulso do país, uma pessoa que se sente tão ligada a ele, é quase insuportável”, declarou no Roda Viva de 1996.

 

 

A política de Caetano

Apesar da postura crítica durante a ditadura, o músico estava longe de ser um símbolo político da oposição. Caetano era constantemente vaiado em apresentações e debates, porque grande parte da esquerda achava o tropicalismo compassivo e queriam uma postura mais combatente. Durante o Vox Populi, exibido em 1978, o músico chegou a afirmar que tanto a esquerda quanto a direita foram responsáveis por sua prisão. Portanto, o canto político de Caetano não é partidário.

 

 

Em 1996, Caetano foi questionado no Roda Viva sobre sua opinião acerca do socialismo. O cantor explicou que incialmente ficou entusiasmado com a revolução em Cuba, mas as consequências o fizeram rejeitar o regime, citando a falta de liberdade de imprensa e o preconceito contra homossexuais como alguns dos motivos. "Eu me sentia pessoalmente muito mal diante da realidade desses países", afirmou.

Na mesma ocasião, Caetano explicou o motivo pelo qual costuma se envolver com tantas questões políticas e sociais: uma necessidade pessoal de cobrar pelo que acredita e que às vezes é esquecido. “De vez em quando, eu tenho que dar aquela espetada, aquela alfinetada, porque se não o pessoal perde a noção de algumas coisas que eu, por acaso, na posição que estou, posso ver melhor”, pontuou. “Parece que eu sou inimigo daqueles grupos ou instituições ou daquelas posições, mas é uma inimizade estratégica”, afirmou.

 


Caetano em 2022

Mas em pleno 2022, quais são as opiniões políticas de Caetano? Atualmente, o músico é colunista do Mídia Ninja, rede de mídia alternativa, onde realizou entrevista com diversas figuras políticas, como Fernando Haddad e Ciro Gomes. Além disso, liderou um grupo de dez músicos em uma audiência pública realizada em março no Distrito Federal, onde denunciou o “Pacote da Destruição”, projeto de lei que visa flexibilizar a entrada de agrotóxicos, desmatamento e garimpo em terras indígenas. Independente do formato e assunto, Caetano se mostra cada vez mais engajado no debate político.

Aliás, durante sua última participação no Roda Viva, em 2021, o músico declarou voto em Lula para as eleições presidenciais de 2022 e também demonstrou simpatia por Ciro. Sobre Bolsonaro, ele declara constantemente seu desafeto, ainda mais pelo presidente mostrar tanto apoio pela ditadura, período que marcou profundamente a trajetória de Caetano.

"O atual governo nasceu de uma revisão absurda da história da ditadura militar. O sujeito que veio a se tornar presidente dedicou seu voto favorável ao impeachment de Dilma ao torturador Ustra. (...) O governo que temos agora não tem paralelo com a ditadura, tem saudade dela, paixão pela deformação do poder público. É o avesso do que devemos ser." - disse Caetano em entrevista ao site Metrópoles

Mas o cantor não está satisfeito apenas com seu posicionamento. Apesar de achar o silêncio legítimo, Caetano também acredita na importância da manifestação política da classe artística. "A minha geração viveu sempre atenta aos temas públicos, já que nós nos tornamos pessoas publicamente conhecidas. E a própria criação artística tem necessariamente ligação com o que é social e político. Até o silêncio de um artista diz muito", declarou no Twitter.

A publicação veio acompanhada de um trecho da canção "Não vou deixar", que pertence ao álbum "Meu Coco" (2020): "Não vou deixar, não vou deixar / Não vou deixar / porque eu sei cantar / E sei de alguns que sabem mais / Muito mais / Apesar de você dizer que acabou / Que o sonho não tem mais cor / Eu grito e repito: Eu não vou!".

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