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"Não se nasce empreendedor". Será?
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Caroliny Braga é jornalista, comunicadora participativa, mestra em Comunicação, pesquisadora em mídias e práticas socioculturais. Dedicada ao estudo de meios e processos comunicacionais, dá cabimento à coisa de escutar mais do que ouvir e ao risco e à delícia que é contar histórias

"Não se nasce empreendedor". Será?

Dia desses, voltando com Benjamin (meu menino, 15) de um encontro dele com a turma da escola, ele mencionou querer ser empreendedor, dono de um negócio
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Foto: Divulgação/Sabrina Lemos "Não se nasce empreendedor". Será?

Há os que dizem que empreender é um ato tomado por habilidades que podem ser adquiridas e expandidas. E há também os que defendem que empreender é ato que nasce com o sujeito.

Em exemplo que trago, impregnado da intuição e das percepções de mãe, o menino tanto veio empreendedor como faz-se homem assim… Empreendendo, dia a dia.

Ver 15 anos em 1,5 segundo

Dia desses, voltando com Benjamin (meu menino, 15) de um encontro dele com a turma da escola, ele mencionou querer ser empreendedor, dono de um negócio.

Antes de eu perguntar a ele qualquer coisa sobre seu plano, fui tomada pelo fio condutor de minha memória materno-umbilical. Foi como ver 15 anos em 1,5 segundo. Foi como ver meu grande menino em cada negócio que ele tocou e que tocou sua vida.

“Está nascendo um novo líder”

Fruto de minha segunda gestação, Ben me chegou dum susto. Sempre o quis. Sempre quis parir duas vezes. Mas a meta era vivenciar Luíza, minha menina, só ela, por cinco anos. Eu tinha essa projeção.

E, quando digo “eu tinha essa projeção”, eu falo sobre um esquema com tabelas, índices, catalogações, planilhas, formulários (com etiquetas) de gastos (investimentos), de tempo a dedicar a cada coisa. Eu tinha uma fórmula administrativa pro meu maternar.

Tomando anticoncepcional, sem pecar em dia e horário, amamentando Lu, senti Ben "bulir" em mim. Era ali pela metade de março de 2010.

Fim daquele mês, Lu fecharia ciclo de um ano de vida. Enquanto Benja já estava quase entrando no quinto mês de gestação, eu só achava que havia usado mal a cinta, que eu estava maior duas ou três medidas, que estava flácida, que precisava retomar exercícios.

Ben saltou a gosto dele, virginiano, finzinho de agosto de 2010. Chegou tão pronto, que parecia ter estado ali sempre, comigo sempre. Benjamin veio feito coisa elementar. Feito meteoro, veio embrenhado dum saber, duma comunicação muito prática. Quando olhou pra mim, ainda com o sangue da gente banhando a gente, foi como se me dissesse “tá tudo bem, mãe”.

Benjamin deu, ali, no centro cirúrgico da maternidade, o pontapé inicial numa das suas principais competências: a de colocar a coisa no seu devido lugar, a de remediar cenários confusos.

Ele chegou e me sacolejou - firme e doce. Foi como entender que planos, quando refeitos, podem ser ainda mais oportunos. E, num ato sagrado, com a gente se olhando pela primeira vez, eu ouvi, dum modo muito real, Leci cantando “Zé do Caroço”.

Teve um negócio ungido ali, no nascimento dele, que me deu provas sobre estar nascendo “um novo líder”. Dali até aqui, quase todos os aspectos que ele apresentou foram de um líder - arado por reunir, por fazer junto. Um cara francamente atento ao outro.

O gingado de quem empreende

Miudinho, na capoeira, o balanço, o jeitinho que se esquivava olho no olho bulia com minha alma. E, quando o mestre Robério Ratto me disse que, muito rápido, Ben entendeu que aquilo não era sobre derrotar, e sim sobre manter estratégia ritmada, sobre respeito, trabalho em equipe, eu ouvi, de novo, dentro de mim, Zé do Caroço tocar.

Numa prática que preza pela cooperação e pelo respeito às diferenças, vi meu menino mais uma vez. Além de o ver aflorando, com gestos corporais que me chamavam, de novo, a observar a comunicação integrativa e a criatividade, sempre muito próprias dele.

E, junto a isso, assistir a seu corpinho criando diversificados modos de expressar seus sentimentos e suas sensações, também com a linguagem não verbal e espontânea.

Tem 20 anos que nasceu uma das falas mais consagradas para líderes empreendedores, a partir dum discurso de Steve Jobs, CEO da Apple e da Pixar, para formandos de Stanford, universidade na Califórnia, Estados Unidos.

Ao provocar os jovens a nunca se afastarem de seus desejos, da ambição por transformações singulares, Jobs disse: “stay hungry” (sigam famintos)... e “connect the dots” (liguem pontos).

Os registros de Steve Jobs me pegam no profundo ao me levarem, sem desvios, a Benjamin. Ben tanto é sedento por mobilizações como acastela talentos com ousadias.

O que compõe Benjamin(Foto: Divulgação/Sabrina Lemos)
Foto: Divulgação/Sabrina Lemos O que compõe Benjamin

E, quando as ousadias chegam sem que seus pés estejam no chão, o bom ouvido e as ponderações têm tido cada vez mais frequência nele. Benjamin é bom de recuos, tem boa escuta, faz reflexões com facilidade.

Ele não seguiu na capoeira. O futebol era no mesmo horário. Foi preciso optar. Mas a convivência em grupo seguiu sendo norte pra ele.

Além de, claramente, o seguimento dele no reconhecimento de que as pessoas têm diferentes virtudes, prestezas, domínios e querências. E que é exatamente por isso que os grupos se dão, pela necessidade das completudes. Pra que o todo ande.

Jogadas de mestre

No futebol, me toca, sempre, a perseverança e a resolutividade dele. Por muitas vezes guiando o time, noto a turma atenta a um próximo gesto e um outro olhar de Benjamin. Ele é um reorganizador dos bailes. No videogame, nos jogos de futebol do Playstation, Benjamin passa mais tempo organizando os times do que jogando propriamente.

É surpreendente a visão cuidadosa e a capacidade que ele tem pra analisar quais times colocará em competição; pra conferir detalhes minuciosos, como o uniforme que os jogadores usarão (por estar fazendo mais ou menos frio na região onde o jogo virtual acontecerá); pra selecionar competidores; pra planejar jogadas.

Lembro do dia em que meu irmão, compadecido, disse pra mim “mana, tente rever o tempo ‘de videogame’ que você dá ao Ben, porque o menino quase não consegue botar bola em campo, ele usa quase todo tempo que tem montando a trama”. Eu revi. Ampliei, sim, o tempo. Revi porque o traçado dele tem foco na paixão, na ordem coletiva, na visão ampla.

Isso, claro, fruto, outra vez, de uma capacidade gestora, das habilidades pessoais aperfeiçoadas ao longo das trilhas dele. Benjamin é um realizador e um sedutor automotivado, tem um poder pessoal assentado em sua capacidade, por excelência, de se relacionar. E de impulsionar pessoas a isso.

Lembro de um vídeo que recebi, de uma amiga dele. Nas imagens: Ben no comando da torcida adversária a do time dele. Na escola, era semana de interclasses. O time dele havia sido desclassificado. E, ao conversarmos, ele me contou os motivos que o levaram à atitude:

  • O time dele havia sido desclassificado também por falta de motivação vinda da arquibancada;
  • O time adversário, antes da atitude dele, também estava sem a tal motivação;
  • Nenhum time havia percebido que a integração deveria ser o ponto principal do interclasses;
  • Os times eram adversários somente em campo. Fora dele, os integrantes eram amigos, lanchavam, almoçavam, estudavam, compartilhavam lápis, gaitadas, papel, descobertas, os dias… “Owra, mãe, pelo amor de Deus, naquela hora, era preciso entusiasmar o próximo”, foram essas as aspas pro fechamento do nosso diálogo.

Virar líder de (da outra) torcida coube em tudo isso. Era, ali, um uso de suas ferramentas para o bem coletivo. Era, ali, o aproveitamento de uma oportunidade. Era, ali, a busca, rápida e prática, por uma transformação que ele entendia ser urgente. Era, ali, um líder à base do exemplo.

Empreendedor: ser social e/ou de nascença

Para Marcos Hashimoto, professor de empreendedorismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a falta de alguma característica inata não impede a pessoa de ser um grande empreendedor. De acordo com ele, “competências podem ser aprendidas com o exercício de técnicas específicas”.

Pra mim, ser empreendedor não resulta mesmo somente dum pecúlio genético. Eu e o pai de Benjamin somos antiempreendedores de nascença, e nem o contato com bases habilidosas do empreendedorismo auxiliou a gente no desenvolvimento de habilidades empreendedoras. Nada. Nem nascemos nem nos esticamos nesse sentido. Muito pelo contrário.

Por outro lado, evidências (algumas mágicas, digamos) tanto saltaram com ele de meu útero como são salientadas e apuradas, dia a dia.

Com esse (filho) exemplar, compreendo que um empreendedor pode ser, sim, coisa que brota da relação constante entre características individuais e o meio em que o empreendedor vive. Um meio no qual ele vai intervindo e bulindo com suas capacidades de relacionamento.

Em 1,5 segundo, me passaram 15 anos de um menino que, ao ver janelas abertas, constroi portas, abre passagem ao mundo e instiga o mundo a enxergar janelas abertas. 1,5 segundo depois de ele ter mencionado querer ser empreendedor, eu disse: “você já é, amor”. O que ouvi, 1,5 segundo depois, é sobre mim, não cabe aqui, não sou empreendedora. Mas foi motivador.

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