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Oscar: Flow quebra a barreira da linguagem e nos convida à empatia
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Editora-adjunta do O POVO+ especializada em ciência, meio ambiente e clima. Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é premiada a nível regional e nacional com reportagens sobre ciência e meio ambiente. Também já foi finalista do Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar na região Nordeste

Catalina Leite ciência e saúde

Oscar: Flow quebra a barreira da linguagem e nos convida à empatia

Ao nos convidar a traduzir e viver os sentimentos dos animais, a animação indicada ao Oscar, Flow, atinge a verdadeira universalidade e nos ensina sobre humanidade a partir da empatia com outras espécies
Tipo Opinião
Flow - Cena do Filme (Foto: Divulgação/Mares Filmes)
Foto: Divulgação/Mares Filmes Flow - Cena do Filme

Ao vencer o Oscar 2020 de Melhor Filme com o sul-coreano Parasita (2019), o diretor Bong Joon-ho fez história. Foi o primeiro filme não falado em inglês a ganhar a maior categoria da premiação, então na sua 92ª edição. Mas foi em discurso ao Globo de Ouro, ao vencer Melhor Filme Estrangeiro, que Bong Joon-ho melhor definiu o momento: “Quando vocês ultrapassarem apenas alguns centímetros da barreira das legendas, vocês descobrirão tantos filmes incríveis”.

Em poucas horas, encerraremos mais um ciclo de premiações estadunidenses que nos secundarizam sempre pela “barreira das legendas”. Torço para Ainda Estou Aqui (2024) fazer história como há cinco anos fez Parasita, ao quem sabe tornar-se o primeiro latinoamericano a ganhar a estatueta mor.

Para nós, que falamos idiomas considerados não-universais, chegar ao reconhecimento do norte global é penoso. Há uma dificuldade quase debilitante deles em ouvir sons não-ingleses, em interpretar legendas como quem lê um livro ilustrado.

Este ano, no entanto, acredito que há um filme com a linguagem verdadeiramente universal competindo na categoria de Melhor Filme Internacional. Estou falando de Flow (2024), a animação letã em que supostamente não há falas.

Flow é um dos indicados a Melhor Filme Internacional no Oscar 2025(Foto: Dream Well Studios/Divulgação)
Foto: Dream Well Studios/Divulgação Flow é um dos indicados a Melhor Filme Internacional no Oscar 2025

Bem, essa definição é um engano. Há falas, sim; elas só fogem do idioma humano.

Não saberia começar a descrever a obra. Empresto as palavras do querido Arthur Gadelha em reportagem ao O POVO+: “O filme narra a jornada de um gato em um planeta que parece ter sido abandonado pelos seres humanos. Enfrentando grandes enchentes em meio aos vestígios deixados pela civilização, ele acaba formando um grupo de sobreviventes com uma capivara, uma ave, um cão e um lêmure, que navegam num barco por rumos desconhecidos.”

A premissa parece simples, mas o caráter universal de Flow nos comove em silêncio. Na obra, os animais usam suas próprias linguagens: o gato mia, o cão late, a ave grasna… Nenhum deles precisa da intervenção de sobrancelhas animadas, nem de expressões humanas.

O que o diretor Gints Zilbalodis e os incríveis animadores da obra fazem é aprender com os naturalistas e observar. Os animais vestem os seus sentimentos à mostra. Se eles estão com medo, eles enfiam os rabos entre as pernas. Se estão amedrontados, encolhem as orelhas e mostram os dentes.

Nós, bichos humanos, também somos e sentimos assim, mas aprendemos a dissimular nossos sentimentos, e é por isso que sofremos. Tão habituados a precisar dizer em palavras, esquecemos como é comunicar-se pela observação, pela atenção e pela empatia.

Em 1h30min, sentamos no cinema e observamos um gatinho enfrentar um mundo em transformação. Vemos o gato sentir saudade de um tutor humano que o idolatrava; sentir desconfiança de outros animais; medo com o avanço da água; pavor ao ter pesadelos.

Flow - Cena do Filme(Foto: Divulgação/Mares Filmes)
Foto: Divulgação/Mares Filmes Flow - Cena do Filme

Sabemos tudo o que ele está pensando, porque desprendemos tempo para nos reconhecermos nele. Os animadores mostram um exercício precioso de observação da natureza, de compreensão, de que vidas tão diferentes da experiência humana na Terra podem sentir de maneiras tão similares, assim como traduzir as nossas próprias angústias.

Em Flow, nenhum humano existe, mesmo assim nós estamos lá. Esta é uma animação sobre natureza, sobre relações inter-espécies e sobre como sobreviver em um mundo em constante destruição e reconstrução.

Poderia escrever uma dissertação sobre as camadas deste filme, mas acho que um dos pontos mais importantes é este: quando conseguirmos nos livrar das pretensões de superioridade e entender que nós somos bichos também, quando conseguirmos estender a nossa empatia e nossas reflexões para outros seres não humanos e mais-que-humanos, é aí que ganharemos.

Sem falas humanas, Flow é antes de tudo uma animação sobre o poder da comunicação. Sobre nos enxergarmos no outro. Sem disfarces, apenas como seres vivos compartilhando uma Terra que nos molda e que nos impulsiona a sobreviver em coletividade, apesar das diferenças.

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