Longa cearense "Tremor Iê" marca estreia da versão virtual da Sessão Abraccine
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
Longa cearense "Tremor Iê" marca estreia da versão virtual da Sessão Abraccine
Associação Brasileira de Críticos de Cinema disponibiliza gratuitamente o filme ao longo de agosto. Debate com as realizadoras Elena Meirelles e Lívia de Paiva ocorre no domingo, 9
O longa-metragem cearense "Tremor Iê" é o escolhido para marcar a estreia da versão on-line da Sessão Abraccine, evento promovido pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). O filme dirigido por Lívia de Paiva e Elena Meirelles estará disponível na página do YouTube da associação a partir desta quinta, 6, e poderá ser assistido no canal até o próximo dia 26 de agosto. Com roteiro co-escrito pelas realizadoras, pelas protagonistas Deyse Mara e Lila M. Salú e pelo também cineasta Petrus de Bairros, o filme segue Janaína (Deyse Mara), uma ativista que sai da prisão e se depara com uma realidade na qual um regime autoritário e patriarcal se instaurou no Brasil.
Além da disponibilização on-line de “Tremor Iê”, a associação também promove debate sobre a obra neste domingo, 9, às 17 horas, também pelo canal do YouTube. Participam as realizadoras e a crítica de cinema Neusa Barbosa. A Abraccine irá, ainda, montar dossiê com textos críticos sobre o longa produzidos por associadas e associados.
A estreia da obra se deu na Mostra de Tiradentes de 2019, onde disputou o prêmio principal. Desde lá, a produção segue inédita comercialmente. “É a primeira vez que o filme fica disponível on-line. Acreditamos que atualmente esta é a forma de tornar viável para uma abrangência maior de pessoas acessarem o filme”, aponta a cineasta Elena Meirelles, que completa: “Mas mesmo assim ainda não poderíamos chamar o acesso ao audiovisual de algo democrático, por sabermos que nem todo mundo tem internet”.
Mesmo ainda inédito, “Tremor Iê” vem construindo carreira ampla e interessante de circulação. Elena destaca, inclusive, as passagens do filme por cineclubes e escolas. “Os cineclubes têm sido os principais espaços que permanecem na ativa, se reinventando durante a pandemia na forma on-line. Estivemos em algumas escolas, com debate após a sessão, formato que achamos mais potente para possibilitar o debate sobre formas de contar história e a conexão desta com território, política e a vida”, ressalta.
A produção foi exibida em duas escolas da Baixada Fluminense (RJ) a partir do projeto “Imagens em movimento”; na Escola Eudes Veras, no Grande Bom Jardim; nos cineclubes Balbúrdia Cineclubista: vivência de grupos de exibidores de Fortaleza e região; Cineclube Aranha, em Belo Horizonte; Cinema das Dores, em Sobral; Cine Sapatão, no Centro Cultural São Paulo; Mostra À Nordeste: Cinema de Reinvenção, do SESC, em São Paulo; 29º Cine Ceará; 13º For Rainbow e ainda eventos no Rio de Janeiro, Goiás, Marselha, Paris e Nova Iorque, entre outros.
Se lançar comercialmente filmes no Brasil sempre foi um desafio, em especial para produções independentes e de escala menor, o contexto de esvaziamento da cultura por parte do governo nos últimos dois anos e a realidade da pandemia realçaram essas questões. Lívia lembra que, recentemente, a então secretária da Cultura Regina Duarte afirmou, ao ser questionada sobre a falta de garantia de direitos humanos e o posicionamento do governo federal frente à ditadura militar, que “não se deve olhar para trás”.
“Isso reflete o momento de destruição da memória do audiovisual brasileiro pelo abandono à Cinemateca, paralisação do FSA, censura da Ancine e toda a interrupção das políticas do setor, que só a longo prazo repercutem e geram transformação social eficaz”, avalia.
A cineasta ressalta a importância das políticas públicas “para que as discussões do cinema e que o cinema traz ecoem as questões mais urgentes no Brasil, como acesso a direitos básicos, sendo o acesso à cultura um deles”. “Não só acesso enquanto consumo, mas enquanto exercício profissional, criação de narrativas audiovisuais pelos mais diversos corpos e territórios que formam o país”, avança.
A conquista da Lei Aldir Blanc, Lívia aponta, exemplifica a força da mobilização social e é um “grito diante da inoperância do governo federal para conter a crise humanitária que se agravou com a pandemia do coronavírus’. “É para além de rentabilidade econômica, é sobrevida, legado patrimonial, exercício de cidadania e possibilidade de acesso a direitos básicos”, afirma.
A sessão
Na atual gestão da Associação Brasileira de Críticos de Cinema - iniciada em agosto de 2019 e que tem Ivonete Pinto na presidência e Luiz Joaquim como vice-presidente -, a Sessão Abraccine tem curadoria do programador do Cinema do Dragão Pedro Azevedo. A mais recente edição do evento foi realizada no fim de 2019. Os filmes “Miragem”, de Flora Dias, e “Animal Indireto”, de Daniel Lentini, foram exibidos entre novembro e dezembro do ano passado em seis cidades brasileiras: Fortaleza, no Cinema do Dragão, Olinda, São Luís, Pelotas, Goiânia e Porto Alegre.
Sobre a escolha de “Tremor Iê” para a nova edição, o curador destrincha: “Trata-se de um longa produzido no Ceará e dirigido por duas mulheres, acho que politicamente tem um gesto importante aí em dar visibilidade a ele, além é claro de ser um filme que tem uma forte carga política ao tratar do Brasil a partir das manifestações de 2013, que meio que nos conduziram para um cenário apocalíptico tanto no filme quanto na vida real. Além disso, importante destacar que o longa é muito sensível na forma como trata os corpos dissidentes das mulheres nesse processo histórico violento e ele também brinca com o cinema de gênero subvertendo convenções da ficção científica”. Assista ao filme:
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