João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
Documentário de Joyce Prado, "Chico Rei Entre Nós" parte de figura mítica da história de Ouro Preto para elaborar sobre ancestralidade, memória oral e heranças do período colonial
A história de um rei congolês que foi trazido escravizado ao Brasil e, aqui, conseguiu recuperara coroa e libertar a si e a várias outros escravizados, é uma das mais importantes da cultural oral de Ouro Preto, em Minas Gerais. São poucos, porém, os documentos e registros oficiais sobre Chico Rei, como ficou conhecido o herói, o que abre espaço para questionamentos sobre a certeza da existência ou não dele. “Chico Rei Entre Nós”, documentário dirigido por Joyce Prado, parte de uma abordagem histórica do personagem para aprofundar costuras entre tempos e reflexões acerca de rastros da colonização e da escravidão que perduram até hoje. O filme está disponível na programação da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Os primeiros minutos do longa se dedicam a estabelecer o que se sabe, se diz e se questiona sobre Chico Rei, num embate entre a história oral e a história documentada. A partir da fala de entrevistados, o documentário contextualiza a figura do rei congolês no que é uma motivação para partir para uma avaliação abrangente do período histórico colonial em Ouro Preto e de como estruturas e problemasseculares se mantém presentes.
Um dos primeiros entrevistados do filme, o artista e restaurador Luiz Antônio Rodrigues, o "Chiquitão", assume que é cético em relação à existênciafactual do rei, mas ressalta que ele pode ser um símbolo criado a partir de muitos outros e outras que exerceram papéis tão importantes quanto aquele creditado a ele. “Mesmo que ele não tenha existido, não podemos fugir da ideia de terem tido pessoas parecidas. Isso é muito gostoso e muito gratificante”, afirma.
Chico Rei, também conhecido como Galanga, foi, segundo a história oral, trazido em 1740 do Congo para o Brasil, onde foi forçado a trabalhos braçais em uma mina em Ouro Preto. O documentário investe um bom tempo nesse panorama histórico do personagem. Há, inclusive, registros de falasdidáticas proferidas pelo guia Hanster Aparecido da Silva em um passeio turístico por uma das minas da época.
O didatismo aqui, porém, é uma ferramentanecessária por colocar em jogo as diferentes possibilidades de olhar para e contar a História. Hanster, um homem negro, ressalta por exemplo a capacidade de engenharia dos africanos escravizados que construíram as minas. Sem deixar de destrinchar as agruras do sistema de escravidão, a opção por lançar luz para as habilidades oferece uma poderosa contranarrativa.
Somando a essa desconstrução da história de um ponto de vista colonizador europeu, o filme engenhosamente costura os tempos coloniais e de escravidão com os contextos contemporâneos. É evidente que aqueles não são isolados e distantes destes, mas sim a fonte da constituição do País que conhecemos hoje e que se perpetua. A escolha do documentário, porém, de desenvolver este discurso partindo da historicidade para discussões como direito à moradia digna, permanência de manifestações culturais e apagamentos históricos é precisa e exitosa.
Os tempos se conectam, atravessam e sobrepõem ao acompanharmos pessoas envolvidas com manifestações populares como o congado e o reinado ou ao conhecermos a Ocupação Chico Rei, um movimento por moradia em Ouro Preto que surge como resposta à retirada de cidadãos mais pobres de áreas valorizadas do centro histórico do município para se estabelecerem em terrenos de alto risco, como costas ou morros.
“Chico Rei significa liberdade”, define um dos membros da ocupação. “Eu vejo Chico Rei nas pessoas que lutam pela comunidade, por algum objetivo. Algumas nem conhecem a história dele, mas dentro delas ele tá muito presente. Cada líder de comunidade talvez seja um novo Chico Rei”, define outro personagem. Ecoando a fala inicial de Chiquitão, que sugere a possibilidade do rei ser muitos e muitas, “Chico Rei Entre Nós” abre espaço para que a figura histórica deixe de ser una, mítica e distante e possa se alargar como inspiração de resistência, ancestralidade e comunidade entre os movimentos de luta de negras e negros ao longo da história.
Mostra SP
Quando: até 4 de novembro Onde: filmes disponíveis na Mostra Play Quanto: cada filme custa R$ 6. É possível adquirir somente por cartão de crédito com bandeiras Visa ou Mastercard. Cada longa comprado fica disponível na biblioteca do usuário por até três dias e, a partir do momento que se comece a assisti-lo, são 24 horas para terminá-lo Mais informações: www.44.mostra.org
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