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Steven Spielberg revê trajetória de vida com leveza em ''Os Fabelmans'"
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Steven Spielberg revê trajetória de vida com leveza em ''Os Fabelmans'"

Com metalinguagem, humor e retrato de família disfuncional, Steven Spielberg revê vida e obra em "Os Fabelmans", que estreia nesta quinta, 12
Tipo Notícia
O longa 'Os Fabelmans' é inspirado na trajetória do próprio Steven Spielberg, da infância ao início da vida adulta (Foto: divulgação)
Foto: divulgação O longa 'Os Fabelmans' é inspirado na trajetória do próprio Steven Spielberg, da infância ao início da vida adulta

Ao discursar após vencer o troféu de Melhor Direção na cerimônia do 80º Globo de Ouro, na última terça, 10, o cineasta Steven Spielberg foi direto ao afirmar que a concretização do longa “Os Fabelmans” foi fruto de coragem e honestidade. “Eu venho escondendo essa história desde os 17 anos”, afirmou a dada altura. “Ninguém realmente sabe quem somos até que sejamos corajosos o suficiente para dizer a todos quem somos”, completou. Inspirado na própria trajetória, o diretor revela no filme — que estreia nesta quinta, 12, no Brasil — partes da vida familiar, da infância e do amadurecimento que revelam fundações do que ele viria a construir em mais de 50 anos de carreira.

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Na narrativa, coescrita entre Spielberg e o roteirista parceiro Tony Kushner, Sammy Fabelman — espécie de alter ego do diretor — é um menino que cresce em um ambiente de embate entre a fluidez da emoção e da arte e a contenção da razão.

As duas facetas são respectivamente representadas em essência pelos pais do garoto, Mitzi (Michelle Williams) — uma mulher livre e com uma série de pretensões artísticas frustradas — e Burt (Paul Dano) — um engenheiro de computação que preza pela esposa, os três filhos e trabalho. Além deles, “Os Fabelmans” conta ainda com a presença de Bennie (Seth Rogen), amigo da família e figura importante na narrativa.

Apresentado logo cedo ao poder da fotografia e do audiovisual — o pai registra momentos em família com uma câmera e o item é logo dado de presente a ele pela mãe —, Sammy é envolto na busca por encontrar o próprio balanço entre os polos distintos em meio a um contexto de crescimento marcado por questões financeiras, problemas conjugais dos pais e antissemitismo na escola.

O enfrentamento a tais aspectos desafiadores se dá, majoritariamente, pelo gosto que ele adquire pela imagem. Com o poder de enquadrar o mundo e inventar outros da maneira que quiser, Sammy encontra segurança e equilíbrio com uma câmera na mão. Esse interesse que se desenrola em necessidade acompanha o garoto desde muito cedo.

O longa abre com Mitzi, Burt e um Sammy ainda bem pequeno em uma sessão do longa “O Maior Espetáculo da Terra” (1952), repleto de cenas de acidentes de trem. Ao invés de se chocar ou traumatizar, o menino decide brincar de criar momentos semelhantes com o conjunto de trens de brinquedo que ganha dos pais.

Para evitar que os itens se danifiquem, a mãe presenteia o menino com o empréstimo secreto da pequena câmera do marido, com a qual Sammy pode filmar um “acidente” e, ao invés de repeti-lo na prática, ter acesso a ele pelas imagens. Ao receber o rolo do filme revelado, o garoto projeta o curta amador até mesmo nas próprias mãos — uma imagem que concretiza de modo pouco sutil, mas preciso, a ideia de controle e segurança almejada por ele.

Mitzi identifica nesse desejo do filho um aspecto de si mesma: a segurança que ela encontrava ao tocar piano e “se render” às notas da partitura. A mulher, no entanto, se vê confinada a uma estrutura socialmente esperada de mãe e esposa perfeita que não lhe cabe.

Michelle Williams e Paul Dano interpretam Mitzi e Burt em "Os Fabelmans"(Foto: divulgação)
Foto: divulgação Michelle Williams e Paul Dano interpretam Mitzi e Burt em "Os Fabelmans"

O extravasamento é uma regra no modo dela encarar a vida, variando entre a liberdade e a inconsequência, enquanto a figura do pai é apresentada como representativa da contenção e da norma. Ele, por exemplo, vê a paixão de Sammy por cinema como um passatempo, não como um caminho profissional verdadeiro.

Apesar da mãe e do pai do menino cumprirem tais papéis simbólicos, Spielberg não apresenta-os de modo estereotipado ou limitado, algo certamente auxiliado pelos registros de atuação de Michelle Williams e Paul Dano. Burt pode não concordar com as pretensões do filho, mas não deixa de ser compreensivo e ajudá-lo em projetos amadores. Mitzi, por sua vez, não se encerra na frustração de não ter aproveitado as habilidades artísticas, sendo ao mesmo tempo uma mãe amorosa, dedicada, mas também uma mulher que deseja.

Ao rever a própria trajetória de vida e obra, Spielberg lança luz em momentos e episódios que, como confidenciou, passou anos buscando distanciar do olhar do público. Apesar dessa relação com os fatos, o diretor parece abordá-los de maneira tranquila, sem peso. Há momentos de emoção e fatos complexos sendo tratados sem rodeios, é evidente, mas “Os Fabelmans” traz também muito humor e leveza.

Retratar o início da paixão por cinema, reencenar os processos de produções amadoras feitas ainda na adolescência em aposta na metalinguagem e encarar os problemas familiares de frente são gestos, afinal, empreendidos a partir de um olhar de maturidade adquirido pelo cineasta.

É como se os embates pelos quais passa o personagem Sammy ao longo de toda a narrativa encontrassem não exatamente resolução, mas equilíbrio e acolhimento na pessoa que o diretor é hoje. Superando as armadilhas do egoísmo e da vaidade autorreferenciais, “Os Fabelmans" é uma espécie de acerto de contas psicanalítico de Spielberg com as próprias escolhas, com as escolhas das outras pessoas que o rodearam e consigo mesmo.

Confira trailer

Os Fabelmans

De Steven Spielberg
151 minutos
Quando: estreia quinta, 12 de janeiro
Horários e cinemas: www.opovo.com.br/vidaearte/cinema/

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