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Coração dá voltas: Rigoberto desviveu e foi salvo por Thaís, que desviveu antes
Foto de Cláudio Ribeiro
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde 1991, atua nas redações dos principais jornais cearenses. Trabalha no O POVO desde 1995. Passou pelas editorias Cidades (como repórter e editor), Ciência & Saúde (repórter), editor de Primeira Página, Núcleos de repórteres especiais e de Jornalismo Investigativo e Núcleo Datadoc, de jornalismo de dados. Hoje, é repórter especial de Cidades. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, incluindo nacionais e internacionais

Coração dá voltas: Rigoberto desviveu e foi salvo por Thaís, que desviveu antes

Há vida após a morte. Rigoberto Sobreira ainda está aqui para contar. Enquanto dirigia, seu coração parou por uma eternidade de 40 minutos. No meio da rua, ele foi ressuscitado pela médica Thaís Lima, que 12 anos atrás também sofreu uma parada cardíaca. As coincidências atravessam a sobrevivência deles dois
"Ela não desistiu de mim": Rigoberto agradece Thaís pela insistência que a médica teve em reanimá-lo, quando já parecia improvável que ele sobrevivesse (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal "Ela não desistiu de mim": Rigoberto agradece Thaís pela insistência que a médica teve em reanimá-lo, quando já parecia improvável que ele sobrevivesse

Dia desses, Rigoberto Sobreira desviveu. Estava dirigindo, o coração travou. Por quase uma hora, parou totalmente. Uma eternidade. Deixou de bater, fraquejou, foi à míngua. Teriam sido pelo menos 40 minutos de parada cardiorrespiratória, no registro dos socorristas passado à família, fora a ajuda providencial que recebeu no meio da rua.

Após várias tentativas de ressuscitação, foi retornado. Por muito pouco. O acontecido é descrito tecnicamente como morte súbita abortada. O empresário, 62, gastou a sorte, ganhou a vida de novo. Esta seria apenas uma história sobre muitas coincidências, mas sempre penso que nada é por acaso. Coração dá voltas. Rigoberto foi salvo por uma médica, que, 12 anos atrás, (sobre)viveu situação semelhante: ela também sofreu uma parada cardíaca extra-hospitalar.

Thaís Lima, 32 hoje, anestesiologista, era ainda estudante de medicina, quarto semestre. Fim da aula, no pátio da faculdade, no bairro Cocó, e o coração apagou. Foi um hiato mais breve, “uns cinco minutos”. Segundo ela, o que mais cedo daquele dia eram dores na região lombar, depois na UTI se descobriu que havia sido um trombo. O coágulo se descolou na corrente sanguínea e bloqueou o fluxo para o coração.

Neyva Oliveira, esposa de Rigoberto, conta que precisou pular do banco traseiro para o da frente e frear o carro do casal, quando notou que o marido estava passando mal, antes da chegada de Thaís para salvá-lo
Foto: Samuel Setubal
Neyva Oliveira, esposa de Rigoberto, conta que precisou pular do banco traseiro para o da frente e frear o carro do casal, quando notou que o marido estava passando mal, antes da chegada de Thaís para salvá-lo

As histórias se espelharam numa esquina. Domingo, sete da manhã, 25/8/2024. Rua Monsenhor Catão com avenida Padre Antônio Tomás, Aldeota. O empresário nunca usava aquele trajeto, saindo de casa, no Eusébio, para ir a uma padaria no bairro Varjota. Seria um programa familiar já de muitos domingos, tomar café com um grupo de amigos. Buscaria a filha, Bia. "Foi a primeira vez por ali", confirma. Estava com a esposa, Neyva Oliveira, e a neta, Liz, de dois anos.

Ironia do destino,Thaís cruzava o mesmo ponto a caminho de um curso sobre…reanimação cardiovascular. Seria o segundo dia de aula, direcionada a anestesiologistas. Deveria estar de folga, mas se matriculou na vaga de uma amiga que não pôde participar. Seguia de uber, deixara o carro em casa para não precisar estacionar. As coincidências quiseram se encontrar.

De passageira, Thaís leu a cena: Rigoberto desmaiado ao volante de seu carro, ainda preso ao cinto de segurança, e uma mulher em desespero (Neyva) tentando reacordá-lo e com uma criança no colo (Liz). A rua ainda com pouca movimentação. Ela não hesitou, desceu, se identificou como médica, mediu a pulsação do empresário pelo pescoço e confirmou um coração sem batidas.

"Realmente não tinha pulsação, batimento, nada. Já estava cianótico (tom azulado da pele, pela baixa oxigenação)". Um rapaz se solidarizou e ajudou Thaís, que orientou: "Bota ele no chão". Não foi medida aleatória. De imediato, iniciou as manobras de massagem cardíaca. Outro alguém, ela não sabe quem, havia acionado o Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu). Começou a juntar gente.

Rigoberto voltou a trabalhar e ficou sem sequelas, mesmo seu coração tendo parado por 40 minutos. Thaís, que era estudante de medicina quando sofreu a parada cardíaca, há poucos dias descobriu que está grávida do primeiro filho
Foto: Samuel Setubal
Rigoberto voltou a trabalhar e ficou sem sequelas, mesmo seu coração tendo parado por 40 minutos. Thaís, que era estudante de medicina quando sofreu a parada cardíaca, há poucos dias descobriu que está grávida do primeiro filho

Thaís começou a ter, na prática, tudo o que vira no curso do dia anterior e técnicas que já dominava. Se tentassem removê-lo dali para um hospital poderia não ter resistido. Criaria um intervalo arriscado entre as manobras de reanimação e a falência iminente. A circulação sanguínea era mínima. Não sobrava tempo. A morte só não estava configurada porque o quadro ainda era reversível. “Naquela hora, o coração dele estava parado, parado”.

A ambulância chegou após 14 minutos. No chamado, os atendentes foram previamente alertados, indicação de Thaís, de que se tratava de uma parada. Ajudou a antecipar protocolos com o paciente. O desfibrilador foi acionado para corrigir a arritmia. Outra médica que passava no local parou, um bombeiro à paisana, outro pedestre que passava.

Thaís já não olhava mais para os lados. Entubou o empresário ainda no chão. Acredita que ele tenha ficado "mais de 50 minutos, quase uma hora" sem estar totalmente vivo. Mas seu coração ainda tinha tarefas a cumprir, de amor, de marido-pai-avô. Rigoberto enaltece Thaís: “Ela não desistiu de mim”. A própria frase o emociona. O choro é agradecimento.

A anestesiologista admite que, naquela hora, nem associou o desviver do paciente em andamento ao que já passara. "Na hora eu não lembrei da minha história. O que pensava muito era que poderia ser meu pai ali". A parada cardíaca de Thaís foi decorrente de uma embolia pulmonar, de uma predisposição sua para coagulação no sangue, que ela desconhecia até então. Potencializada à época pelo uso de anticoncepcional.

Mais semelhanças? Ela também foi salva por um anestesista, seu então professor Manoel Cláudio. Ele foi chamado às pressas pelo namorado dela, Mauro, também ainda estudante e hoje seu marido. Com medicações, Thaís nunca mais sofreu com o problema. Rigoberto tinha um histórico de pressão alta, não teria tomado o remédio por alguns dias e teria complicações com uma válvula do coração diagnosticadas antes. Não gostava de ir ao médico.

Rigoberto não lembra de nada daquele dia - seu passamento apagou tudo da memória. "Não lembro nem que saí de casa, que dia foi, por onde passei, nada. Apagou-se!". É a esposa, Neyva Oliveira, que lhe recupera os detalhes do episódio. Descreve que por pouco o carro não colidiu em algo ou atropelou alguém. "Ele já tinha soltado a direção, o carro em movimento. Pulei para o banco da frente, freei, puxei o freio de mão".

Rigoberto e Thaís riem de suas histórias de sobrevivência
Foto: Samuel Setubal
Rigoberto e Thaís riem de suas histórias de sobrevivência

Ao descrever um sonho que teve por dois dias seguidos no hospital, intervalados, revela uma EQM (Experiência de Quase-Morte). Morria, subia uma longa escadaria, escuridão, uma porta que levava a pessoas sofrendo dentro de uma vala. Deduziu que seria o inferno. Rigoberto teria perguntado: ‘Vou pra lá?’. E, num encontro ao pé da porta, ouviu de Jesus que ainda não era aquela a sua hora. Recebeu a ordem para voltar. Ao final, fez a ressalva: “Se eu contar, vão pensar que estou louco”.

Daquela calçada, o empresário foi direto para a UTI. Permaneceu 10 dias entubado e mais 12 internado. Poderia ter sofrido sequelas neurológicas, perda de movimentos, de cognição, afetar a memória, o coração não suportar. Que nada! Já dirige, sobe escadas, trabalha na fábrica de confecções com a esposa, se diz inteiro. Instalou um Cardioversor Desfibrilador Implantável (CDI). O aparelho, mais avançado que o marcapasso, dispara quando necessário, evita novos apagões. Percebe algumas falhas na memória curta e dores leves na perna esquerda. O melhor é que está leve e pode rir de si mesmo.

A experiência fez Rigoberto repensar sua saúde, hábitos, disposições. Poderá brincar de ser avô, rever os amigos naquela padaria. Thaís descobriu há poucos dias que está no primeiro mês de gravidez do primeiro filho. Os dois tiveram a morte ao redor. Sobreviventes, hoje dividem sorrisos, abraços e reencontros - o segundo presencial, fora o daquele dia de aflição, foi o que está nessas fotos. Criaram um elo. Estão vivos para novas histórias.

Foto do Cláudio Ribeiro

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