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Isenção do IR: política e justiça fiscal
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Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (2009), mestre (2012) e doutor (2016) em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFC. Apresentando interesse pela Sociologia Política e Ciência Política. Pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), atua como palestrante e analista político, colaborando com movimentos sociais, associações e imprensa

Isenção do IR: política e justiça fiscal

.Mais que um gesto fiscal, simboliza a tentativa de reconstruir um pacto social em torno da equidade
Tipo Opinião
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, tenta aprovar MP  (Foto: Ricardo Stuckert)
Foto: Ricardo Stuckert Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, tenta aprovar MP

O sistema tributário brasileiro não apenas reflete a desigualdade social: ele a produz e a perpetua. Baseado na taxação do consumo e não da renda, o modelo transfere o peso da arrecadação para quem ganha menos e poupa o capital acumulado no topo da pirâmide. Ao cobrar mais de quem trabalha e menos de quem lucra, o Estado alimenta um ciclo histórico de desigualdade que molda a estrutura social e o comportamento político do país. A aprovação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, e da redução escalonada para rendas de até R$ 7.350, insere-se nesse contexto como um gesto de correção histórica e uma manobra política de alta precisão.

A medida, aprovada na Câmara dos Deputados, rompe parcialmente com a lógica regressiva do sistema tributário e recoloca a justiça fiscal no centro da agenda pública. Não se trata apenas de alívio econômico, mas de reconstrução simbólica: o reconhecimento de que o Estado deve pesar menos sobre quem vive do trabalho e mais sobre quem acumula riqueza.

O estudo do Sindifisco Nacional explicita a distorção: os milionários pagam proporcionalmente menos da metade do que a classe média em Imposto de Renda. Desde 1996, quando os lucros e dividendos foram isentos, a tributação sobre os mais ricos caiu quase 40%. Ao mesmo tempo, o congelamento da tabela empurrou a classe média para o topo da carga tributária. Esse grupo, que deveria ser sustentáculo do consumo, passou a sentir-se sufocado pela pressão fiscal e custo de vida. A desigualdade tributária tornou-se, assim, um vetor direto da erosão social e da insatisfação política.

É nesse ponto que a decisão do governo adquire dimensão estratégica. Lula compreendeu que a reaproximação com a classe média baixa e com setores da classe média tradicional é indispensável à estabilidade de seu projeto político. Nos últimos anos, parte desse público migrou para a oposição, movida pela sensação de abandono e pelo peso da estagnação salarial. Ao promover a isenção e investir numa ampla campanha de comunicação, o governo tenta reconstruir esse vínculo, mostrando sensibilidade social e capacidade de entregar resultados concretos.

A medida sinaliza uma mudança de narrativa. Lula recupera a iniciativa política e conquista um ganho expressivo de capital simbólico. O retorno da esquerda às ruas e a reaproximação da classe média com o projeto de governo indicam que a política recupera fôlego no país. A isenção do Imposto de Renda, mais que um gesto fiscal, simboliza a tentativa de reconstruir um pacto social em torno da equidade. Corrigir a injustiça tributária é, em última instância, restituir à política sua função original: garantir que o progresso não seja privilégio, mas direito.

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