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A vida por um fio
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

A vida por um fio

"Na primeira vez, tive a certeza de que estava infartando e tinha poucas horas de vida. A dor era lancinante e, dizem, comparável apenas às dores do parto..."
Tipo Crônica
Foto de apoio ilustrativo. "O pessoal do hospital foi atencioso e simpático, desfazendo antigos gatilhos que eu
tinha em relação ao ambiente de saúde..." (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Foto de apoio ilustrativo. "O pessoal do hospital foi atencioso e simpático, desfazendo antigos gatilhos que eu tinha em relação ao ambiente de saúde..."

Dizem que a vida é um sopro. Vivemos em um fio da navalha, equilibrados por uma ilusão de certeza e segurança.

A qualquer momento o inesperado ocorre, o inusitado aparece, o imprevisto surge, o repentino se apresenta e pimba! Tudo o que planejamos se modifica, e o que nos parecia garantido agora é apenas um desejo.

— Tem que ser internado agora — disse o médico.

Ele não foi seco nem insensível, mas direto, prático e didático. Foi isso que me salvou. Há semanas com dores abdominais e nas costas, pensava que era mais uma crise de cálculo renal, que já me acometeu duas vezes.

Na primeira vez, tive a certeza de que estava infartando e tinha poucas horas de vida. A dor era lancinante e, dizem, comparável apenas às dores do parto.

Lembro de suar frio de dor e de me contorcer ao ponto de ter que usar cadeira de rodas, não sendo raras as ocasiões em que praticamente perdi a consciência.

Na segunda vez, apesar das dores, fiquei mais calmo, sabendo que passaria umas quatro ou cinco horas na emergência do hospital recebendo medicamentos diretamente na veia.

Dessa vez não foi assim. Como todos sabem, o ureter, que é da espessura de um fio de cabelo e liga o rim à bexiga, faz movimentos de contração e expansão, como se estivesse ordenhando a urina.

O cálculo renal dói justamente ao se deslocar dentro do ureter, principalmente a cada contração deste. Geralmente, quando chega na bexiga, o cálculo é dissolvido e não se sente mais nada. Não foi o caso.

Após quase duas semanas de dores e incômodo abdominal, os exames de urina estavam normais, o que não correspondia aos sintomas, à análise clínica nem aos exames de sangue.

Tenho quase certeza de que, se tivesse sido atendido por algum médico menos experiente, os exames de laboratório teriam sido decisivos. O resultado seria um diagnóstico rápido, porém equivocado. Ora, se os exames de urina estão bons, então um remédio para dor resolve, provavelmente diriam.

Graças a Deus consultei um médico experiente, cuidadoso e “das antigas”, que ouve o paciente, analisa o caso com calma e cuidado, e se vale de décadas de experiência em consultório.

— Muito provavelmente um dos seus rins está obstruído por um cálculo. Os exames de urina estão bons porque o que está sendo coletado é a urina produzida pelo outro rim. Certamente a urina do rim obstruído está retida — disse o Dr. Carlos Roberto Teixeira.

Após uma tomografia que confirmou as suspeitas, fui internado no mesmo dia e acompanhado pelo urologista Dr. Raimundo Andrade, que fez a desobstrução do ureter esquerdo em um procedimento cirúrgico tranquilo, com uma convalescença sem nenhuma intercorrência.

O pessoal do hospital foi atencioso e simpático, desfazendo antigos gatilhos que eu tinha em relação ao ambiente de saúde.

Até mesmo as antigas batas, famosas por deixar os pacientes desconfortáveis com a exposição dos “busafans”, foram substituídas por calções e camisas, o que me aliviou as vergonhas. E o melhor: tinham roupas do meu tamanho.

— O meu tamanho é “M”. “M” de monstro — disse à simpática camareira.

— Alguma alergia de alimentos? — perguntou a responsável pelo cardápio.

— À comida pouca — respondi sorrindo, já sem dor e no dia da alta.

Contei isso tudo não apenas para informar quem porventura passe por algo parecido, mas principalmente para enaltecer a experiência clínica como fator preponderante para um diagnóstico preciso, evitando submeter o paciente a riscos maiores, como a septicemia urinária.

Porque, no final das contas, a vida é mesmo um fio — mas é um fio que pode ser sustentado por mãos cuidadosas, por olhares atentos, por anos de experiência e por um compromisso silencioso com o que há de mais humano: o desejo de preservar.

E, às vezes, o fio que parecia prestes a se romper é justamente o que nos conecta ao essencial, nos mostrando que estar aqui, agora, é por si só um presente.

Há algo de poderoso em perceber que, mesmo quando estamos vulneráveis, existe algo invisível que inspira e conecta pessoas, conhecimento e cuidado que nos sustentam.

E que essa rede é feita de detalhes: o médico que escuta, a enfermeira que sorri, a roupa que finalmente nos devolve um pouco de dignidade. No meio do susto e da dor, encontrei proteção, cuidado e gratidão.

Então, sim, a vida pode ser um fio, mas é um fio forte — e, quando bem cuidado, ele pode nos levar muito mais próximo um dos outros do que imaginávamos.

Foto do Danilo Fontenelle

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