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A condição inesperada
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

A condição inesperada

"Meu amigo machista normal teve constatada uma condição já na fase adulta. Talvez o mais correto seja dizer que 'foi constatada uma condição'"...
Foto de apoio ilustrativo (Foto: Reprodução/Freepik/Pressfoto)
Foto: Reprodução/Freepik/Pressfoto Foto de apoio ilustrativo

— Eu tenho — disse em tom de confissão.

— Tem nada.

— Pior que tenho.

— Nunca notei.

— Nem eu.

— Tem certeza?

— Tenho.

— E faz tempo?

— A gente já nasce com isso.

— E pega?

— Óbvio que não.

— Já contou para sua esposa?

— Disse que sempre achou que eu tinha algo estranho mesmo.

— E agora? Vai mudar de vida, se afastar dos amigos, sair do bairro, procurar outro emprego, essas coisas?

— Claro que não. Não muda nada.

— Então por que você foi atrás disso?

— Não fui. Apareceu lá nos exames.

Meu amigo machista normal teve constatada uma condição já na fase adulta. Aliás, não é propriamente “diagnosticado”, porque não é uma doença. Talvez o mais correto seja dizer que "foi constatada uma condição".

Dizem que ela tem forte componente genético, com marcante influência do meio para se desenvolver. Mal compreendida e só detectada com testes específicos, as chamadas altas habilidades/superdotação (AH/SD) são muitas vezes confundidas com autismo, TDAH ou outras síndromes.

Reconhecida em indivíduos que possuem quociente de inteligência a partir de 130, a AH/SD nem sempre indica desempenho acadêmico excelente, principalmente se o ambiente escolar não estimular seu potencial ou se o ensino for muito rígido ou padronizado.

O indivíduo possui facilidade para aprender novos conceitos, uma habilidade superior para resolver problemas complexos rapidamente, curiosidade intensa e costuma fazer perguntas profundas e reflexivas, mesmo em tenra idade.

Tem interesse em temas pouco comuns para sua faixa etária, criatividade e originalidade, além de foco em áreas de interesse e alto nível de energia. Tudo isso, no entanto, pode dificultar a conexão com colegas da mesma idade.

Os AH/SD possuem também uma alta sensibilidade emocional, que se reflete em empatia, mas também em vulnerabilidades.

Podem apresentar perfeccionismo, frustração diante da incompreensão dos outros e dificuldades sociais, vivendo, por vezes, uma sensação de isolamento por conta de seus interesses e habilidades diferentes.

— Você é capaz de fazer cálculos rápidos? Quanto é 123 vezes 144?

— 11.522.

— Não chegou nem perto.

— Mas foi rápido — disse, rindo.

— Pra mim, você continua o mesmo palhaço de sempre.

Ele olhou para mim como quem tenta explicar o inexplicável.

— Compreendi muita coisa minha. Até coisas da infância. É como se minha cabeça fosse um rádio sintonizado em várias frequências ao mesmo tempo, sabe? A maioria das pessoas escuta só uma estação. Eu escuto todas. O tempo todo.

Fiquei em silêncio. Não sabia o que responder. Talvez fosse isso que o fazia parecer inquieto, ou que explicasse por que nunca teve muitos amigos.

— No fim, não muda nada — ele repetiu, enquanto olhava para o chão.

— A não ser que a gente aprenda a entender a si mesmo. E a lidar com esse rádio. E ali fiquei, pensando se algum dia alguém conseguiria sintonizar o rádio dele. Ou o seu coração.

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