Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Dizem que se você quer conhecer alguém de verdade, viaje com ela. Foi no Marrocos, durante uma excursão, que descobri que meu amigo cearense (aquele machista normal) carregava uma rapadura na alma – e, eventualmente, na bagagem.
Era sua primeira viagem internacional e, já no primeiro hotel, aconteceu o inevitável. O atendente nos recebeu sorridente, mas fez uma pergunta que provocou a primeira crise cultural do dia:
— Sir, one bed or two? Are you a couple?
— Eu entendi! Não sei falar inglês, mas sei o que é "cópol"! Ele tá perguntando se a gente é um casal! — disse meu amigo, com os olhos mais arregalados que as travessas de decoração na parede do hotel chique.
Superado o incidente, seguimos para o centro de Fez, o grupo todo espremido em uma van enquanto o guia misturava espanhol, francês e português.
— Só consigo entender que a gente tá indo para um mercado dentro de umas muralhas — comentou ele, cruzando os braços como quem avalia se o passeio vale o esforço.
Quando chegamos no mercado de Fez, em seu labirinto colorido de barracas, com tecidos brilhantes pendurados como bandeiras, especiarias que perfumavam o ar e comerciantes gritando promoções em línguas que a gente mal entendia, meu amigo logo soltou:
— Oxe, Oxe, parece o Mercado São Sebastião, quando ainda era lá na Praça dos Leões, só que com perfume demais e gente falando em código – passando a examinar os produtos.
— Sou mais as coisas do Ceará. Aqui a qualidade é sofrível — disse ele, como quem fosse um especialista em artesanato. E, claro, não comprou nada. Nem mesmo as famosas lembrancinhas que todo mundo leva.
Depois, visitamos uma mesquita, onde ele ficou intrigado com os mosaicos e com o ritual de purificação antes das orações.
— Rapaz, é bonito, mas pra mim o mais importante seria lavar os sovacos.
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No almoço, veio o grande momento. O cardápio era uma bagunça de francês e árabe, mas tinha fotos dos pratos. Foi aí que ele se animou ao ver o famoso cuscuz marroquino.
— Olha aí, meu amigo, tá vendo? O Ceará tá dominando o mundo! O cuscuz veio parar aqui!
O guia tentou explicar que o cuscuz marroquino era diferente, feito de semolina, mas ele não quis saber.
— Vou de cuscuz! — declarou com a confiança de quem está pedindo o prato mais familiar do menu.
Quando o prato chegou, a decepção foi instantânea. O cuscuz vinha todo bonitão, cheio de especiarias, frutas secas, castanhas, legumes e até frango. Parecia saído de uma revista de culinária.
Ele provou uma colherada, mastigou devagar, e aí veio o veredito:
— Esfarelado. Com gosto de areia de praia. Cadê o milho? Cadê o gosto de verdade?
Deixou o prato de lado e resolveu experimentar a tajine, que chegou fumegando numa cerâmica bonita com tampa de chaminé. Ele olhou para mim e disse, com esperança nos olhos:
— Rapaz, acho que agora vai. Isso aqui tá parecendo a carne de panela da minha tia... só que a minha tia sabia temperar!
Mas a alegria durou pouco. Bastou ele encontrar uma uva passa na carne para recomeçar a ladainha:
— Quem é que coloca uva passa na comida salgada, meu amigo?!
Enquanto ríamos, ele limpava o prato mesmo assim. Mas antes de terminar, já decretava:
— Amanhã eu trago a rapadura, só pra garantir.
E no dia seguinte, lá estava ele, andando no meio de Fez, com uma rapadura na mão, quebrando-a com os dentes laterais, explicando para o guia:
— Isso aqui é patrimônio mundial também, viu? E dos bons.
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