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O espelho invertido da inveja
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

O espelho invertido da inveja

A inveja é a sombra invertida do desejo. Ela não quer apenas ter o que o outro tem — quer que o outro não tenha
ParaTodosVerem: imagem em preto e branco mostra uma mão estendida em direção a um espelho. No reflexo, a mesma mão parece se aproximar da original, como se fossem tocar uma à outra. Ao fundo, entra uma luz suave por entre cortinas, iluminando parte da cena (Foto: Pexels/Jenna Hamra)
Foto: Pexels/Jenna Hamra ParaTodosVerem: imagem em preto e branco mostra uma mão estendida em direção a um espelho. No reflexo, a mesma mão parece se aproximar da original, como se fossem tocar uma à outra. Ao fundo, entra uma luz suave por entre cortinas, iluminando parte da cena

Dizem que a inveja é o mais silencioso dos sentimentos. Não grita, não se impõe, não deixa marcas visíveis. Ela apenas espreita, à sombra das vitórias alheias, disfarçada de crítica construtiva ou de um “parabéns” protocolar.

A inveja nunca escolhe o fraco, mas sempre o próximo. Quanto mais próxima a pessoa, quanto mais similar a trajetória, quanto mais palpável a conquista… maior o incômodo, mais sutil a dor.

Pode ser qualquer um dos seus desejos adormecidos, suas ambições esquecidas ou suas metas adiadas, que agora parecem florescer no jardim do outro. E então você sente. Sente que poderia ter sido você, que deveria ter sido você. Sente que aquele caminho que ele ou ela trilhou era também o seu — ou pelo menos poderia ter sido.

A inveja é a sombra invertida do desejo. Ela não quer apenas ter o que o outro tem — quer que o outro não tenha. É diferente da admiração, que olha para a conquista alheia e diz: “que bonito, eu também quero”. A inveja, ao contrário, sussurra: “ele não merece”, “ela teve sorte demais”, “isso deveria ser meu”.

Enquanto a admiração valida o esforço do outro e transforma a conquista alheia em inspiração, a inveja transforma a vitória em ameaça, como se o sucesso do outro diminuísse as chances de que você também vença.

Pode ser qualquer coisa: o amigo que abriu um pequeno negócio e prosperou. A colega que, aos 45, resolveu fazer a faculdade que você sempre adiou. O vizinho que corre maratonas, enquanto você mal consegue sair para caminhar no fim do dia.

Se a inveja teima em permanecer na sua cabeça, dia e noite, noite e dia, se você se pega comparando histórias, medindo felicidades, ponderando se merece menos ou mais... saiba: você corre riscos.

A inveja, ao contrário do sonho, não quer te impulsionar, quer te paralisar. Quer que você se sente à beira da estrada e fique ali, observando os outros passarem, com um sorriso encenado, sentindo-se “superior” àquilo tudo e, no fundo, se contorcendo de dor.

Claro que, para não ser consumido por ela, você precisará transformar a comparação em inspiração. Precisa entender que não se trata do que o outro conseguiu, mas do que você deixou de tentar. Por imposição de sua própria natureza, a inveja quer te manter pequeno, acomodado, fechado no medo.

Mas você não nasceu para ficar na sombra fresca de uma árvore conhecida, vendo a trilha alheia se desenhar entre espinhos e flores. Você nasceu para caminhar, ainda que com medo, ainda que com inseguranças, ainda que tropeçando.

Sim, o coração vai oscilar entre a admiração genuína e o ressentimento. Sim, haverá noites de dúvidas e dias de comparações inúteis. E alguns sonhos não resistirão à constatação de que o outro já os realizou.

Mas há sempre espaço para novos sonhos, para desejos que sejam verdadeiramente seus, não aqueles que você deseja apenas porque viu alguém desejá-los antes. Há espaço para novas histórias, para novas versões de sucesso — que podem e devem ser diferentes das do outro, mas genuínas para você.

Então, talvez não seja sobre negar a inveja, mas sobre compreendê-la como um espelho: ela não fala sobre o outro, fala sobre você. Sobre o que te falta, sobre o que você quer, sobre aquilo que você ainda teme buscar.

Alguns vão chamar de fraqueza, outros de humanidade. Quem nunca se sentiu assim? Afinal, a inveja é só o ruído que faz o desejo quando está sendo ignorado.

Ela é o eco abafado da vida que você poderia viver. E ela só aparece quando você deixou de correr atrás do que realmente quer. Mas só você saberá que a verdadeira força é transformar a inveja em admiração, e a admiração em impulso.

Afinal, a inveja é o desejo que ficou doente. A admiração é o desejo que aprendeu a caminhar. E aí, enfim, você vai entender: Não é a felicidade do outro que te ameaça… É a sua própria hesitação diante da vida que ainda não teve coragem de construir.

Foto do Danilo Fontenelle

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