Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
De tempos em tempos, chega um modismo urbano. E, de tempos em tempos, ele vai embora sem deixar saudades — só a conta no cartão.
Lembra quando Fortaleza foi tomada por mudinhas de árvores minguadas, cercadas como se fossem obras de arte, mas que mais pareciam palitos espetados?
A maioria não vingou, e as proteções viraram sucata para recicladores. Depois vieram as estações para minicarros elétricos, que prometiam futuro e vanguarda.
Serviram, no fim, apenas para fotos de propaganda. Teve o tempo de quase toda Washigton Soares com tapumes do metrô e só a grama crescia em seus limites.
Agora é a vez da nova salvação: terceirizar a mobilidade para apps com nomes em inglês e promessas em looping. Eis o patinete elétrico. Pequeno, silencioso, promissor — quase um colibri do trânsito, se colibris fossem financiados por fundos estrangeiros e cobrassem por minuto.
Funciona assim: você baixa o aplicativo (com nome que lembra parque de diversão) e entrega todos os seus dados pessoais como se fosse um ritual de iniciação digital: nome, e-mail, CPF, RG, tipo sanguíneo e, se possível, a alma com reconhecimento facial.
Depois vem o sacrifício financeiro: taxa de desbloqueio + custo por minuto. Se resolver cruzar um bairro inteiro, prepare-se para um empréstimo — ou para um Pix inesquecível, mas ser moderninho nunca foi barato e garante um selfie.
Patinete localizado no mapa, você parte para a caça ao tesouro urbano. Só que o tesouro está com 12% de bateria, largado na sombra de um poste e disputado por dois pombos em guerra fria. Mesmo assim, você persiste.
Chega o momento mágico: escanear o QR code e sentir-se no futuro. Um futuro em que o guidão está torto, o pneu meio murcho e o freio responde com um “talvez”. Mas você sobe. Porque é brasileiro. Porque quer chegar. E porque não parou para pensar se o Uber Moto não sairia mais barato.
Agora, vento no rosto. Você é trendy, livre, quase um vanguardista prafrentex voando baixo — até topar com o primeiro buraco. Postes passam. E as calçadas te olham com ar de reprovação: “Não era pra estar aqui, irmão”. Você finge que não vê.
Mas lembra que não pode trafegar na calçada, nem na pista, nem na contramão, nem — adivinhe — em praticamente lugar algum. No fim, sobra a ciclovia. Isso se ela não estiver ocupada por uma barraca de pastel ou por um caminhão com pisca-alerta e fé.
Você desvia, acelera, desacelera, toca o sino que ninguém ouve, leva buzinada de motoboy e, finalmente, chega ao destino.
Ou quase. Porque agora começa o xadrez da devolução. O app mostra o ponto autorizado, mas ele fica 500 metros depois de uma padaria, de uma lombada e do arrependimento. Dá vontade de largar o patinete ali mesmo, mas o aplicativo berra: “Local não permitido. Sujeito a multa”. E você volta.
Enfim, estaciona o bravo veículo, encerra a corrida e recebe o recibo. O trajeto custou o mesmo que um almoço executivo e teria levado 15 minutos a pé. Mas andar a pé não tem adrenalina, nem multa, nem risco de estatelar-se no chão.
E é por isso que, no fim, o patinete elétrico é o transporte oficial do millennial otimista: anda pouco, resolve quase nada, mas custa caro — e tudo isso com estilo. Um surfista do asfalto tentando não ser atropelado pelo sistema, e pagando caro pra fazer parte dele.
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