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No espelho do tempo
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Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM

Marcos Sampaio arte e cultura

No espelho do tempo

Em projeto que celebra seus 75 anos, Gal Costa regrava dez obras de sua carreira em duetos inéditos com jovens músicos brasileiros. O trabalho chega em CD e LP neste mês
Tipo Opinião
Gal Costa reúne 10 vozes masculinas em projeto que celebra seus 75 anos (Foto: Julia Rodrigues/ Divulgação)
Foto: Julia Rodrigues/ Divulgação Gal Costa reúne 10 vozes masculinas em projeto que celebra seus 75 anos

No último dia 26 de setembro de 2020, Gal Costa completou seus 75 anos de vida. Reconhecida há mais de cinco décadas como uma das vozes mais importantes do Brasil (e que ajudou a projetar o Brasil para o mundo), a baiana celebrou a data com uma live (a primeira e única, até agora) em que enfileirou muitos sucessos cercada por uma banda de baixo, bateria e guitarra. Não fosse as regras impostas pela pandemia, teríamos mais dessa mulher que desafiou parâmetros, se firmou como uma potência da cultura nacional e que segue como referência para jovens vozes que querem fazer carreira combinando o clássico e o moderno da MPB.

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E essa é a senha para compreender o que faz de Gal Costa a Gal Costa: o olhar para o novo e o respeito ao que é atemporal. No clássico "Gal Fa-Tal", por exemplo, que este ano completa 50 anos, ela bota no mesmo balaio os Novos Baianos, Jards Macalé, Ismael Silva, Janis Joplin e o então estreante Luiz Melodia. Logo não é nenhuma surpresa que ela resolva celebrar seus 75 anos ao lado de uma nova geração de artistas.

Batizado como "Nenhuma dor", o álbum reúne canções do repertório de Gal recriadas ao lado de uma turma que vem valorizando o que há de melhor na MPB. Nem todos são brasileiros, mas até os que não são têm muita intimidade com o que se produz aqui. É o caso do português António Zambujo, que já gravou um tributo a Chico Buarque e recria "Pois é", parceria de Chico e Tom Jobim, ao lado de Gal somente com violinos, cellos e violas.

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Se houver um esforço pra fugir de comparações com as gravações originais, é possível encontrar muitas belezas em "Nenhuma dor" que mais surpreende pelo recorte enxuto (apenas dez faixas) do que pela seleção de convidados. Sim, por que há uma certa "margem de segurança" na lista de convidados: todos têm alguma ligação com a história da musa baiana. Por exemplo, o rapper Criolo, que participa em "Paula e Bebeto", primeira parceria de Milton Nascimento e Caetano Veloso. Foi Milton quem apresentou o paulistano para Gal e ela gravou a primeira parceria deles, "10 anjos", no disco "Estratosférica". Com arranjo que remete ao original, o encontro de Gal e Criolo valoriza os versos que anunciam que "qualquer maneira de amor vale um canto".

Outras marcas do projeto foram a opção exclusiva por vozes masculinas e a predominância de canções mais lentas e melancólicas, como "Nenhuma dor", dividida com Zeca Veloso. Filho de Caetano que chamou atenção com os vocais agudos de "Todo homem", repete o tom ao refazer essa triste canção do seu pai, lançada no disco "Domingo" (1967). Do mesmo disco e do mesmo compositor, "Avarandado" virou um afoxé com a presença de Rodrigo Amarante, em arranjo solar puxado por violão, baixo e detalhes de cordas.

 
 
 
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Na busca por uma nova identidade, "Baby" e "Juventude transviada" são as mais surpreendentes. A primeira ganhou voz, violão e arranjo de Tim Bernardes, que adotou o mesmo clima sinfônico do seu impecável disco "Recomeçar". Tim, além de estar entre os compositores do disco "A pele do futuro", já dedicou um programa de TV ao repertório de Gal. A segunda começa com um grave incômodo de Seu Jorge, intensificando a melancolia desta composição de Luiz Melodia. Em seguida, Gal chega pra aliviar a tensão e a versão vai ganhando um tom agridoce. Também vale nota o dueto com Jorge Drexler em "Negro amor", que perde o clima hippie, mas preserva a beleza com um lindo arranjo de cordas.

Gravado durante a pandemia, "Nenhuma dor" passou por estúdios no Rio de Janeiro, São Paulo, Lisboa, Madri, Los Angeles e Vitória. Desde dezembro, ele vinha sendo apresentado em singles duplos lançados nas plataformas digitais. A direção artística do disco mais uma vez fica a cargo de Marcus Preto, responsável pelos recentes "Estratosférica" (2015) e "A pele do futuro" (2018). Completam o time de convidados o capixaba Silva ("Só Louco"), o vocalista da banda Dônica, Zé Ibarra ("Meu bem, meu mal"), e Rubel ("Coração vagabundo"). Este último foi até duplamente contemplado por que chegou a fazer uma temporada com Gal e lançou um single ao vivo, em 2020, cantando com ela "Baby". Este single, inclusive, seduz pela espontaneidade e intimidade deles, com Gal encerrando a faixa chamando seu convidado de "gatinho". De diferentes formas, Gal usa essa mesma espontaneidade no seu novo disco, previsto para ser lançado em CD e LP - pela Biscoito Fino - neste mês. E, voltando às comparações, aquele cristal dos agudos da cantora de "Meu nome é Gal" ou "Nada mais" ganhou um tom opaco, com uma leve rouquidão. Mas isso não lhe tirou a força e a certeza do valor que tem essa voz.

Repertório por ordem de lançamento:

1. Avarandado (com Rodrigo Amarante. Original do disco "Domingo", 1967)

2. Nenhuma dor (com Zeca Veloso. Original do disco "Domingo", 1967)

3. Juventude transviada (com Seu Jorge. Original do disco "Gal Tropical", 1979)

4. Meu bem, meu mal (com Zé Ibarra. Original do disco "Fantasia", 1981)

5. Negro amor (com Jorge Drexler. Original do disco "Caras&Bocas", 1977)

6. Coração vagabundo (com Rubel. Original do disco "Domingo", 1967)

7. Paula e Bebeto (com Criolo. Original do disco "Água Viva", 1978)

8. Baby (com Tim Bernardes. Original do disco "Tropicália ou Panis et Circencis", 1968)

9. Pois é (com António Zambujo. Original do disco "Água Viva", 1978)

10. Só louco (com Silva. Original do disco "Gal canta Caymmi", 1976)

Foto do Marcos Sampaio

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