Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Responsável pelo som que marcou a Jovem Guarda, Lafayette faleceu deixando uma obra volumosa e influente na MPB. O parceiro e discípulo Gabriel Thomaz fala da experiência de dividir o palco com o tecladista mais quente dos bailes
“A gente costuma brincar que o Lafayette foi o cara que introduziu o órgão no rock”, conta Gabriel Thomaz, cantor, compositor, guitarrista e líder da banda paulistana Autoramas. Ele é um assumido fruto tardio da Jovem Guarda, estilo que ele guarda como influência no som e no visual. E foi ele quem trouxe o tecladista Lafayette Coelho Varges Limo de volta para os palcos. O músico, falecido em 31 de março, aos 79 anos, foi responsável por criar um som de órgão que marcou a obra de ídolos como Erasmo e Roberto Carlos (“Querem acabar comigo”, por exemplo) e foi copiado exaustivamente na época.
A história é a mesma de muitos ídolos brasileiros, que passam um período de alta e são colocados no escanteio do mercado. “Ele estava fazendo show em praça de alimentação de shopping. Não tava legal. E a gente levou ele pros melhores palcos, pros projetos legais pra caramba”, lembra Gabriel que montou a banda Lafayette e os Tremendões para recuperar o som do cara fazia sua cabeça há décadas. Recém recuperado de uma internação por covid-19, Gabriel conta da sua experiência de gravar e dividir o palco com o tecladista maior da Jovem Guarda.
- Que importância o Lafayette teve para a Jovem Guarda? Gabriel Thomaz – O som que é a marca registrada da Jovem Guarda é o som do Lafayette, o som do órgão. No mundo inteiro, o rock and roll dos anos 1960, o que no Brasil foi chamado de Iêiêiê, foi tocado sem o som do órgão. O som do órgão é a característica brasileira do rock dos anos 1960. Foi ideia do Erasmo (Carlos). Quando eles foram gravar o primeiro compacto do Erasmo, na RGE, o Lafayette foi acompanhando, eles eram amigos de turma. O Lafayette era pianista e o Erasmo viu o órgão no estúdio e falou pra ele tocar, um Hammond, que era um instrumento tradicionalmente de igreja. E aí rolou aquele som. O Roberto Carlos já tinha lançado três discos, que não tinham o som do órgão, e quando ele ouviu o disco do Erasmo falou “eu quero esse som”. E gravou o disco que tem “Quero que vá tudo pro inferno”, que tem o órgão na frente. É o Lafayette e é a marca registrada dele. E a gente tenta provar que o Lafayette foi o primeiro a tocar órgão no mundo inteiro, já que essa era uma característica brasileira. O órgão foi ser usado no final dos anos 1960, com os Animals, The Doors... Então o Lafayette fez isso muito antes. Quatro ou cinco anos antes. Ele pode ter contribuído pro rock do mundo inteiro. A gente costuma brincar que o Lafayette foi o cara que introduziu o órgão no rock. E foi imitadíssimo, né? No rock brasileiro, no iêiêiê, no brega, nas coisas todas que seguiam essa parada. Você pega um disco do Reginaldo Rossi e tá lá o Lafayette. Ou você pega um disco dos Fevers, dos anos 1970, e tá o som imitando o do Lafayette.
- Você saberia dizer a primeira vez que o som dele, o estilo dele de tocar, te chamou atenção? Gabriel Thomaz – Foi principalmente nos discos do Roberto Carlos, “Quero que vá tudo pro inferno”, “Não quero ver você triste”, em todas essas músicas o órgão está sempre presente. Sempre lá na frente, alto na mixagem, característico. Sempre chamou muita atenção aquele som chorado do órgão. Acho que os maiores sucessos são as músicas do Roberto Carlos, então isso chama muita atenção.
- Apesar do sucesso nos anos 1960 e 70, o Lafayette teve aquela fase de ostracismo e de afastamentos dos estúdios de gravação. Queria que você resgatasse o momento em que você o encontrou e como foi a reação dele ao ser convidado para essa nova parceria. Gabriel Thomaz – Cara, ele nunca se afastou dos estúdios não. O que aconteceu é que as pessoas perderam o interesse pelo som dele. Ele sempre foi o rei dos bailes. A partir da época da discoteca, os bailes foram perdendo a importância, o som foi sendo substituído pelos DJs, pelas festas com aparelhagem de som, e os bailes foram perdendo espaço. E ele foi perdendo espaço com isso. Nos anos 1980, ele estava totalmente esquecido, nos 1990... Eu sempre fui fã e não sabia se ele estava vivo ou morto, antes da gente se encontrar, sabe? E ele realmente estava esquecido. O momento em que eu soube que ele estava vivo foi quando eu vi uma entrevista dele no site do “Senhor F”, e foi ali que eu tive a ideia de chamar pra ele tocar junto com a gente. O Senhor F é meu amigo, peguei o telefone com ele e a gente fez o contato. Eu fui encontra-lo e ele estava fazendo um show muito deprimente, cara. Lá em Alcântara. É o seguinte, tem o Rio de Janeiro, depois tem Niterói, depois tem São Gonçalo, aí depois tem Alcântara. Ele estava fazendo show numa churrascaria. Era uma parada que não era a coisa mais glamorosa do mundo, muito pelo contrário. Eu fui lá falar com ele, ter uma reunião. Ele (na época) estava fazendo show em praça de alimentação de shopping. Não tava legal. E a gente levou ele pros melhores palcos, pros projetos legais pra caramba. Vivo Open Air, Claro Que É Rock, Abril Pro Rock, todos os festivais, fizemos ele voltar pros grandes palcos e ser novamente falado, sabe? Foi uma coisa que eu me orgulho muito de ter feito. A reação dele foi de surpresa, quando eu chamei. Primeiro por que eu joguei uma super mentira pra ele. Eu falei que queria que ele tocasse pro meu casamento, mas eu já era casado, né? Mas com isso eu consegui convencer ele a ensaiar e a gente começou a fazer os shows. E ele mesmo ficou muito surpreso que o nosso público, mais jovem, curtisse as músicas que ele gravou, que ele eternizou. E deu muito certo.
- A banda Lafayette e os Tremendões lançou dois discos de estúdio. Queria que você me falasse desses álbuns. Como foram essas gravações ao lado dele, seleção de repertório, o clima dos estúdios. Gabriel Thomaz – Sim, um era de releituras da Jovem Guarda, “As 15 super quentes” (2009), e o outro foi um disco de inéditas, que nós compusemos (“A nova guarda”, 2015). Acho que os dois são muito bons, estão aí nas plataformas, foi uma gravação muito legal. Eu gosto muito, sou suspeito pra falar. Nós selecionamos o repertório do disco de inéditas e isso foi mais fácil. Agora, o primeiro, a gente selecionou músicas que eram sucesso no show, cara. Tem sucessos do Erasmo, da Silvinha, Leno e Lillian, do Roberto Carlos, de todo mundo. O “Je t’aime.. Mon non plus” era uma que fazia bastante sucesso no show e nós incluímos. O show sempre foi muito divertido e essas músicas faziam parte do repertório.
- Além dos discos, vocês viajaram bastante com a banda. Como foram essas apresentações e como o público recebia uma pessoa que, apesar de pouco conhecida pessoalmente, tinha um dos sons mais populares da MPB? Gabriel Thomaz – Pois é, esse negócio dele ser pouco conhecido pessoalmente foi uma coisa que eu testemunhei de que não era verdade. A gente foi tocar em Recife e foi o governador de Pernambuco lá falar com ele no camarim. A gente chegava em todas as cidades e o fã-clube do Lafayette era uma loucura, cara. Sabe, a galera mais velha que era muito fã, mas muito fã. E era impressionante, fosse no interior ou capital, o Lafayette é uma estrela e nós aqui que não acompanhamos o sucesso dele. Ele foi um grande vendedor de disco, os bailes dele eram famosos no Brasil inteiro e ele foi uma estrela, cara. A gente é que nasceu depois.
- Quando se soma a discografia pessoal e a participação em álbuns de outras pessoas, a obra do Lafayette toma um volume enorme. O que você destaca nessa discografia? Das muitas faixas que ele gravou, quais são as tuas preferidas? Gabriel Thomaz – O Lafayette gravava disco que não tem nem creditado o nome dele, cara. A CBS tinha uma banda fixa que era de música jovem, que gravava todos os artistas. Era o Lafayette no órgão, o Renato Barros na guitarra, Paulo César Barros no baixo e vários bateristas passaram por ali. Eles gravavam em horário comercial, todo dia. Tem um monte de discos, um montão, montão. Ele perdeu a conta de quantos gravou. Não foram só os dele. Ele era contratado da gravadora pra ficar lá o dia todo, em horário comercial, gravando uma música atrás da outra. É impressionante a quantidade de disco que ele fez. LPs e compactos, naquela época, nos anos 1960 e 70, na CBS. Eu destaco o “Lafayette apresenta Dina Lúcia”, que é o primeiro que ele fez com o nome dele, que é a esposa dele acompanhando, a cantora. É um disco de samba-rock, tem uma música sensacional de Roberto e Erasmo, “Moço, toca um balanço”. O “Lafayette apresenta sucessos Volume 4” é o disco dele que mais vendeu, é só clássico, só coisa linda. Tem um outro que é o “Volume 16” que é sensacional, já nos anos 1970. São 20 volumes de “Lafayette apresenta sucessos”. E tem o disco que tem “The Girl from Paramaribo”, que é um dos grandes sucessos dele. E tem o compacto da discoteca que é a versão dele do “D.I.S.C.O.”. Cara, isso é demais! É engraçado que a discoteca veio com os disque jóqueis, meio que acabou com bailes, mas ele gravou vários discos de discoteca, que são sensacionais.
- O projeto Os Tremendões tomou um outro rumo, uma outra cara com a entrada do Layette. O que acontece com a banda agora que ele faleceu? Gabriel Thomaz – É, Tremendões sem o Lafayette só teve uma fase embrionária, que a gente nem conta. A banda é Lafayette e os Tremendões. Sem ele não tem como. A banda acabou.
- Além do que foi lançado, existe algum material do Lafayette e os Tremendões que tenha ficado registrado e ainda inédito? Há algo a ser lançado? Gabriel Thomaz – Existem duas músicas inéditas que a gente gravou, não lançou e que vão ser lançadas agora no dia 21 de maio. Uma delas é uma música do Oswaldo Nunes e The Pops, que chama “Você deixa”, que vai sair como single. E tem uma outra que é do Antônio Marcos, que vai ser o Lado B ("E Não Vou Mais Deixar Você Tão Só").
- Que importância a jovem guarda tem para a formação musical do Gabriel Thomaz e dos Autoramas? Gabriel Thomaz – É uma grande influência. Eu gosto muito do rock dos anos 1960, de todos os lugares do mundo. E a Jovem Guarda, ou o Iêiêiê, são a versão brasileira disso, né? Existe Iêiêiê cada um com seu sotaque, em cada país. Na Argentina, Uruguai, Peru, México, Estados Unidos, Austrália, Canadá, França, Turquia, Indonésia, cada um com sua característica. Eu me identifico muito com o brasileiro. Acho os músicos maravilhosos, as letras maravilhosas, as gírias incríveis, divertidas, tem músicas de protesto, românticas, infantis, tem de tudo. Eu acho um grande barato e me identifico. Adoro ouvir as histórias. E são músicas que fazem parte do nosso imaginário. Às vezes a gente toca uma música e sabe a melodia, sabe a letra, já ouviu um milhão de vezes, ela faz parte da nossa vida. Pra mim, eu assumo isso. Acho que é legal pra caramba, acho o maior barato e me identifico. Pra mim, são super influências. Tem muitas músicas do Autoramas que você vai ver influência da Jovem Guarda. “Carinha triste”, “Para o alto e avante”, “Verdade absoluta”, dá pra ver tanta coisa que tem ali que, propositalmente ou não, tem Jovem Guarda ali.
- Após dois discos, muitos shows e uma série de matérias sobre seu "retorno à música", quem era o Lafayette que o Brasil perdeu em 31 de março? Gabriel Thomaz – Foi um gênio, cara. Foi um cara que contribuiu muito pra música brasileira, pra música mundial, que ele teve discos lançados no mundo inteiro. Ele foi o cara que introduziu o órgão no rock, cara. Um grande instrumentista, um timbre inconfundível, o som daquele órgão é o som do Lafayette. Ele estava muito doente, fazendo hemodiálise, quebrou um fêmur. Quando soubemos (da morte), a gente ficou tentando evitar, mas chegou o dia, né? O Lafayette é eterno.
- A perda do Lafayette aconteceu num período em que você e sua esposa estavam se tratando do covid-19. Seu caso, inclusive, foi bem grave, esteve internado. Como você está agora e que recado deixa pra quem ainda ignora a gravidade da pandemia? Gabriel Thomaz – Eu digo pra todo mundo se cuidar ao máximo. Eu me cuidei ao máximo e em algum micro-vacilo que eu dei, peguei essa doença. A internação foi uma coisa que eu não vou esquecer. Foi muito marcante. Aconselho todo mundo a levar isso a sério e se cuidar ao máximo. Seguir as regras, os protocolos. Eu tive alta, cheguei em casa, 10 minutos depois recebemos a ligação de que o Lafayette tinha falecido. Pra mim, foi um choque muito grande. Eu tava... Nossa... Tinha acabado de sair do hospital e foi uma montanha russa de emoções.
A lista de Herlon Robson
O cearense Herlon Robson tem 46 anos, 40 deles dedicados à música. Instrumentista, arranjador e produtor, ele está presente em discos, trilhas sonoras e palcos. Ele indica cinco organistas que se destacaram como acompanhantes, não somente como solistas. Confira
Richard Wright: “Tudo na vida tem um lado bom e um lado ruim, com exceção de um LP do Pink Floyd” (Humberto Gessinger), e um dos responsáveis por isso é Rich Wright. Fez uso de vários modelos de órgão ao longo da discografia da banda, principalmente do M100, modelo de Hammond transistorisado, mais compacto.
Ray Manzarek: Esse além de organista do The Doors, com a mão direita, era o baixista da banda, com a mão esquerda (usando um piano elétrico Rhodes Bass, em cima de seu órgão). Sua principal característica foi o uso extensivo do órgão Vox. Destaque para o álbum de estreia homônimo da banda.
Greg Rolie: Sua presença na banda definiu a sonoridade do órgão no rock latino. Entre outras contribuições pra banda, apresentou-lhes a canção “Black Magic Woman”. Com isso, eternizou o nome da canção que é um dos “presets” mais presentes nos teclados e softwares de simulação de órgão.
Jon Lord: Integrante do Deep Purple, destaca se pelo uso da distorção (drive) no órgão, assim como Keith Emerson. Seu timbre ardido, tornou o amplificador Marshall tão indispensável quanto a caixa Leslie (que com a rotação dos falantes, gera o som de modulação característico do órgão Hammond). Uma curiosidade: foi o primeiro artista famoso a mandar serrar o Hammond ao meio, dividindo o instrumento em parte superior e inferior, para facilitar seu transporte durante as turnês.
Ed Lincoln: Esse não podia ficar de fora. Cearense que construiu toda uma carreira próspera, no “Sul Maravilha”, repleta de sucessos na indústria fonográfica, foi uma dos reis de venda de discos instrumentais ao longo de sua vida. Não tem jeito, o cearense já domina o mundo, inclusive da música.
Lafayette: Sua presença definiu muito da estética musical da jovem guarda. Seu toque está presente em toda primeira fase do Rei Roberto Carlos. Tocou e gravou com todo mundo dos anos 1960 e 70, além de lançar vários discos de carreira, com versões instrumentais de "sucessos do momento”. Tenho muito orgulho de saber do carinho que Lafayette tinha por meu pai (Zé Maria Boaz, minha maior influência como organista), pois foram contemporâneos na noite carioca, e sempre que era perguntado sobre meu pai, por algum amigo em comum, lembrava das “gig's" e “sub's" que um passava pro outro, pois eram os únicos dois organistas do Rio dos anos 50 que possuíam instrumento portátil.
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.