Há 50 anos, Minie Ripperton encantava o mundo com 'Lovin' you'
Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Tudo era muito delicado e, aparentemente despretensioso. Um homem sentado no chão toca uma dulcíssima levada no violão junto a sons de passarinhos. Ao lado uma gaiola, um pássaro, arranjos de flores e muito branco. A câmera abre e surge a cantora, rosto angelical, cabelo black power adornado com pequenos ramos que parecem de gypsophila. O clima "flower power" era típico daquele fim dos anos 1970 e Minnie Riperton o abraçou com vontade no clipe de "Lovin' you".
Minnie Julia Riperton Rudolph nasceu em Chicago, no dia 8 de novembro de 1947. Desde muito cedo se aproximou das artes, estudando dança, teatro e música. Nascer em uma família de pessoas ligadas à arte ajudou muito e ela foi encaminhada, ainda jovem, para estudar ópera no Lincoln Center, em sua cidade natal. A emissão impecável, o timbre suave e a facilidade para os agudos garantiram trabalhos ao lado de artistas da Chess Records, uma das casas que fizeram história gravando artistas negros.
Fazer backing vocal para nomes como Etta James e Chuck Berry tirou Minnie do rumo erudito e a aproximou da black music. Assim, ela integrou a banda Rotary Connection, que durou de 1966 até o começo da década seguinte. Nesse tempo, serviram de banda de apoio para duas lendas do blues - Muddy Waters e Howlin' Wolf - e gravaram seis discos. Com orquestrações, sons de guitarra, baixo e bateria, eles faziam um soul psicodélico com a voz angelical de Riperton que elevava todos os sons ao céu.
Do fim da banda até uma estreia solo, ela até pensou em desistir da carreira para cuidar da família. Mas uma gravação sua chegou à gravadora Epic e o ex-colega de Rotary Connection Charles Stepney topou produzir "Come to my garden" (1970). O álbum que abre com a dramática "Le Fleurs" (trilha do terror "Nós", de Jordan Peele) mistura uma beleza ora meio cafona (tipo Barbra Streisand), ora suave demais (como Carpenters), com soul music e até bossa nova ("Only When I'm Dreaming" e Memory Band").
Mas foi só no álbum seguinte que ela atingiu o estrelato. "Perfect Angel" é direto, sem tanto enfeite e abre com "Reasons", uma pedrada soul que afirma que sua razão de viver é "cantar com toda a força". E essa força está no falsete que encerra a faixa, capaz de fazer Mariah Carey se ajoelhar em reverência. E não dá para falar em falsete sem citar "Lovin' you". A faixa nasceu como uma canção de ninar para Maya Rudolph, filha de Minnie, e hoje uma famosa comediante. Na gravação original é possível ouvir a mãe entoando "Maya Maya Maya Maya", pedaço cortado nas rádios. A música ficou mais de 15 semanas no topo da parada da Billboard.
Completando 50 anos, "Perfect Angel" teve produção de Richard Rudolph, marido de Minnie, e Stevie Wonder (sob o pseudônimo de "El Toro Negro"), que ainda toca piano, bateria, gaita e compôs "Take a little trip" e a faixa-título. Escolhida como quarto single do disco (por exigência da cantora), "Lovin' you" virou um grande hit no mundo, regravado por muita gente, incluindo os brasileiros Edson Cordeiro e Paula Toller. E a capa curiosa foi reproduzida em "Inocente Demotape", do rapper Djonga.
Cinco anos e três discos depois, Riperton foi vitimada por um câncer de mama e morreu aos 31 anos. Cantando até o último minuto, vídeos registram-na em cena quando a doença já havia tirado os movimentos do seu braço direito. Após sua morte, em 12 de julho de 1979, Quincy Jones ajudou a produzir "Love Lives Forever", álbum póstumo que contou com participações de gente como Roberta Flack, George Benson, Stevie Wonder e a maior estrela da época, Michael Jackson.
Para marcar os 45 anos de morte e os 50 do clássico de Minnie Riperton, o jornal The Guardian preparou um ranking com suas 20 maiores canções. "Lovin' you", claro, no topo. Abaixo, gravações com o grupo The Gems, com o Rotary Connection e pérolas solo como "Memory Lane" e "Whenever, wherever". Fora isso, ela segue sendo tratada como uma nota de rodapé na história da black music. Mas é bom lembrar: foi com um bebê no colo que nasceu uma das mais lindas canções de amor.
Um adeus ao maestro
Na segunda-feira, 23, as redes sociais anunciaram a partida do pianista paulista Osmar Milito. Irmão de Hélcio Milito, baterista do lendário Tamba Trio, Osmar era desses músicos que muita gente ouviu, mas poucos o reconheceriam. Ele figura em dezenas de discos que fizeram história na MPB, mas para localizá-lo é preciso ler as fichas técnicas. Por exemplo, ele gravou ao lado de Djavan (que fez um depoimento nas redes se despedindo do músico que o ajudou no início da carreira), Jorge Benjor (no inesquecível "A Tábua de Esmeralda") e Flora Purim (em sua estreia "Flora é M.P.M.").
Nos últimos tempos, Milito se aproximou muito de Fortaleza. E tudo começou por acaso. O produtor, compositor e jornalista cearense Dalwton Moura viu um show dele na Lapa, um dos muitos bairros boêmios do Rio de Janeiro, e foi cumprimentá-lo ao final. Agradecido, o pianista disse que não vinha por aqui há cerca de 50 anos. Dalwton perguntou se ele viria em "condições simples". Com mais de 80 anos, o músico topou, se hospedou na casa do produtor e veio para um show gratuito no Centro Cultural BNB, realizado num sábado, fim de tarde, em maio de 2023.
Em retribuição, o público cearense lotou o CCBNB, exigindo que a produção trouxesse todos os bancos e cadeiras disponíveis no equipamento. Com participação de, entre outros, Edinho Vilas Boas (voz), Hermano Faltz (guitarra), Rogério Lima (violão), ele tocou clássicos do jazz, canções brasileiras e apresentou o EP gravado em parceria com Dalwton e Luciano Franco meses antes. Após dar autógrafos, posar para muitas fotos e conversar com o público que aplaudiu em peso, ficou certo que merecia um retorno. E aconteceu no Festival Jazz & Blues de Guaramiranga, na segunda-feira, 12 de fevereiro. Ao lado da cantora Indiana Nomma, ele apresentou um espetáculo digno dos deuses da música. Mais uma vez, o Ceará deu ao maestro as palmas que ele merece.
Osmar Amilcar Milito, nascido em São Paulo no dia 27 de maio de 1941, morreu no Rio de Janeiro, onde foi morar com pouco mais de 20 anos e onde viu sua arte dar frutos. Deixa alguns discos próprios gravados, obras raras cultuadas por arqueólogos da música; uma carreira internacional que passou por EUA, México, Europa e outras paradas; e muitas contribuições para nomes como Maria Bethânia, Leny Andrade, Silvia Telles e tantos outros. E deixa também um Ceará órfão de sua música.
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