Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Foto: Divulgação
Biografia misturada com autobiografia conta a história de Edy Star, artista do glam rock nacional
Quem acompanha Edy Star nas redes pode tirar uma conclusão: ele viveu bastante. Viveu não, vive, pois, aos 87 anos e tendo passado por algumas barras pesadíssimas, ele segue firme nos palcos cantando e performando o personagem que ele criou. Sim, por que Edivaldo Souza nasceu para criar Edy Star, símbolo underground do glam rock nacional - embora ele mesmo nem dê muito cartaz para esse rótulo.
A vida de altos e baixos de Edy está resumida do livro "Eu só fiz viver" (Popesauro), de Ricardo Santhiago. Historiador, professor e comunicólogo, Ricardo também lançou "A história incompleta de Miriam Batucada" pela mesma editora em 2024. De certa forma, os livros se complementam, pois, tratam das figuras mais marginalizadas do mítico disco "Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão das 10" (1971), que contava ainda com Raul Seixas e Sérgio Sampaio (1947-1994). Sérgio está longe de ser um medalhão da MPB, mas vem sendo redescoberto pelas novas gerações. Já Raul também tem um perfil marginal, mas teve tempo de ver o próprio sucesso popular.
Já Edy precisou se virar um bocado para se manter com dignidade ao longo da vida. Natural de Juazeiro, na Bahia, ele é da mesma terra de João Gilberto, Ivete Sangalo e do "novo baiano" Luiz Galvão. Mas ele nem de perto roçou o sucesso comercial ou lotou estádios com suas canções. Fã de cinema, rádio e teatro, ele não vem de uma família de músicos, mas conseguiu desenvolver muitos talentos que apresentava nos palcos e na TV de Salvador, onde foi morar aos 2 anos.
Na juventude, ele até conseguiu um emprego na Petrobrás, mas abandonou depois de um ano e meio para trabalhar em circo. Depois dessa fase, tornou-se artista plástico, mas, quando foi tentar a vida no Rio de Janeiro, o aperto foi grande e chegou a se prostituir. Já adulto e depois de muitas idas e vindas, reencontrou o amigo Raul, à época produtor da CBS e já querendo dar os primeiros passos como artista. E foi aí que Edy foi convidado para entra na Ordem Kavernista, álbum que foi censurado pela própria gravadora e só veio a se tornar uma joia cult com o sucesso do "maluco beleza".
O resultado desse desconjuntado encontro foi uma série de desavenças e um afastamento entre as partes da Grã-Ordem. Mas, três anos depois, ele gravaria "Sweet Edy" (1974), em que colocaria no mesmo balaio inéditas de Gilberto Gil, Roberto e Erasmo Carlos ao lado de um clássico de Lupicínio Rodrigues. No livro, Edy faz pouco do álbum que deu a ele o tal posto de solitária "estrela do glam rock" local. No entanto, do encarte ao modo de cantar, é possível perceber o deboche, a androginia e a personalidade de uma figura assumidamente gay numa época em que isso, por si, era sinônimo de censura, bullying e outras violências.
"Eu só fiz viver", sob o argumento de chegar mais próximo da verdade, traz um texto todo entrecortado pela voz do próprio biografado. O resultado nem sempre funciona e deixa a desejar outras vozes completando a história. Muitas vezes o discurso do biografado soa informal demais, às vezes desnecessário, mas deixa transparecer velhas mágoas, angustias mal resolvidas e uma falsa vontade de deixar para lá o que não deu certo.
E muitas coisas não deram certo. Ele chegou a planejar o suicídio, mas desistiu quando se mandou para a Espanha onde trabalhou como apresentador em shows eróticos. Voltou curado logo depois de tratar um câncer de próstata. Por aqui, viu inúmeras comunidades no Orkut que cultuavam Raul Seixas e queriam conhecer cada pessoa que pudesse falar sobre o profeta roqueiro. Edy entre elas e isso marcou um novo momento de sua história que ganhou novos discos, novos palcos, parcerias, relançamentos e muitas participações em projetos coletivos. Nada disso tirou dele a aura marginal, mas talvez ele nem queira isso.
A "Sociedade da Gram-Ordem Kavernista" nunca foi, de fato, um trabalho coletivo. Cada um gravou suas músicas em separado, não criaram parcerias e, quando o projeto afundou, cada um foi para o seu lado. Mas a história daquele encontro marcou uma turma de fãs que gostam de descobrir obras obscuras. Em respeito a isso, Edy Star é um dos convidados do disco "Infiel, Marginal e Artista", com canções inéditas de Miriam Batucada. Além disso, em 2023, ele lançou "Meu Amigo Sérgio Sampaio" em que regrava 10 composições do parceiro.
Agora chegou a vez de fechar a trinca com o lançamento em vinil de "Edy Star Canta Raul: Ao Meu Amigo Raul Seixas". O projeto está em busca de financiamento coletivo na plataforma Benfeitoria. A ideia é arrecadar R$ 60 mil, que seriam os custos de produção, estúdio, músicos, direitos autorais, divulgação e distribuição. Entre as recompensas da campanha, tem desde o disco em si autografado (R$ 200) até um pocket show de Edy (R$ 15 mil). "Mais do que um álbum, 'Ao Meu Amigo Raul Seixas' é uma homenagem afetiva e artística. (...) Trata-se de uma celebração da liberdade criativa, da contracultura e da resistência musical que marcaram toda uma geração", afirma o material de divulgação. Idealizado pela Musicarte Vinil e Cultura, loja especializada em música brasileira, o projeto está na modalidade "tudo ou nada" (se a meta de R$ 45mil não for atingida, todos os colaboradores recebem o dinheiro de volta. O prazo para atingir a meta encerra em 29 dias.
Com mais de seis décadas dedicadas à música, Jocy de Oliveira é um mistério brasileiro. Sua obra mistura erudição, experimentações eletrônicas, cinema, teatro, literatura e performance. Em 2024, ela lançou "Alucinações autobiográficas" (Re.li.cá.rio), livro em que reúne memórias de vida. A narrativa é construída em um diálogo da autora com suas personagens, o que mistura realidade e fantasia num livro que não é ficção, mas também não deixa de ser. Para tentar entender a mente e a obra intrincada de Jocy, o melhor caminho é conferir seus filmes, peças, discos e livros - inclusive o mais recente. Talvez assim fique mais fácil entender quem é ela, uma vez que "Alucinações autobiográficas" apenas oferece pistas.
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