Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Foto: Santa Rita Filmes/ Divulgação
Paulo Mendonça e Ney Matogrosso na série "Primavera nos Dentes"
Ney Matogrosso ainda era um hippie errante e anônimo quando foi visitar uma vidente, no início dos anos 1970. Ele queria uma opinião sobre o projeto musical em que estava se metendo com duas figuras que havia conhecido há pouco tempo. "Você vai ser muito famoso e rico. Algo meio como Carmen Miranda", decretou o zodíaco. "Vamos embora daqui", respondeu descrente. Mal sabia que, pouco tempo depois, seria onipresente em capas de revistas, programas de TV, palcos da América Latina e na mesa dos censores do Dops.
Essa passagem é contada por Ney na série "Primavera nos Dentes - A história dos Secos&Molhados", dirigida e roteirizada por Miguel de Almeida. Exibida no Canal Brasil, a série de quatro capítulos reúne pessoas que viveram de perto e outras que captaram as ondas sísmicas liberadas por aquele terremoto artístico. Do núcleo duro da banda, Ney Matogrosso e o guitarrista e compositor Gerson Conrad se reencontram para uma cordial conversa sobre a criação e quase imediata dissolução do trio. João Ricardo, a terceira parte, mais uma vez se nega a participar e ainda proibiu que suas composições - a grande maioria - fossem tocadas.
Buscando suprir esse constrangedor buraco, foram chamados o baixista Willy Verdaguer e o pianista Emilio Carrera. Ambos estiveram na gravação do antológico disco de estreia dos Secos&Molhados e se reencontram para criar a trilha sonora da série, além de contarem suas versões dos fatos. O fotógrafo Antônio Carlos Rodrigues, responsável pela famosa capa com cabeças cortadas, o figurinista Claudio Tovar, o empresário Moracy do Val e o poeta e letrista Paulo Mendonça ("Sangue latino", "Medo mulato", "O doce e o amargo") também contam suas histórias. No papel de fãs, Ana Cañas, Duda Brack, Frejat e Charles Gavin também dão seus depoimentos, mas pouco acrescentam.
Em grande parte, "Primavera nos Dentes" se sustenta no reencontro de Ney, Gerson Verdaguer, Carrera e Mendonça, que até criaram uma canção nova, "Ouvindo o silêncio". Ao longo dos episódios, é possível acompanhá-los no estúdio tentando emular o mesmo espírito dos anos 1970. O esforço da direção é grande para fazer Gerson se comover com as novas composições. "É interessante", diz ele, frio. É compreensível. Em grande parte, o fenômeno Secos&Molhados se deve à combinação do que foi feito com o quando e como foi feito. É muito mais que música.
E o grande desafio da série é encontrar algo novo sobre essa combinação já tão explorada em livros, filmes, trabalhos acadêmicos e clones musicais. Gerson conta dos primeiros contatos com João Ricardo e do tempo que ensaiavam um repertório, enquanto ainda buscavam a voz ideal para ele. Quando encontraram, não imaginavam que seria alguém com a postura de Ney Matogrosso. As referências artísticas para todos são dispersas: o rock de David Bowie e Alice Cooper, os vocais de Crosby, Stills, Nash & Young, e o teatro dos Dzi Croquettes e de Zé Celso Martinez. A série ainda se atreve a dizer que a maquiagem da banda foi inspirada na peça "O rei da Vela", o que pode ser uma "forçação de barra".
Um depoimento muito interessante vem de Ney Matogrosso ao falar sobre o impacto que sua postura andrógina causou na própria banda. Gerson nega que houve uma reunião dos três para debater a fofoca de serem uma "banda de gays". E Ney esclarece que sua intenção ia além da dualidade "masculino x feminino" ou mesmo "homo x hétero". Ele queria ser o que bem quisesse, fosse humano, animal ou qualquer outra coisa. Ele chegou a raspar o bigode para dar mais espaço para a maquiagem. "Na hora que eu perdi o rosto, eu comecei a adquirir uma coragem de exposição que eu não sabia que existia", relembra.
A ausência de João Ricardo é sentida a todo momento, sendo ele a única pessoa que poderia trazer algo novo para essa história. "Uma pena que não ficamos amigos. Por que a gente viveu umas histórias engraçadas. Vivemos dois anos juntos, né", lamenta Ney, que repete muitas histórias recém contadas em sua cinebiografia, "Homem com H" (2025). A descoberta da sexualidade como um elemento cênico provocador e as consequentes intrigas com a censura política são todas relembradas, com um ou outro detalhe a mais. Há ainda uma extensa pesquisa de imagens da época, que dão um contexto interessante.
Os motivos que levaram à separação dos Secos&Molhados - despreparo, imaturidade e o egoísmo de João - já são sabidos, mas a série encerra com um equívoco repetido há anos: o fim dos Secos em 1974. Depois da saída de Ney e Conrad, João remontou a banda e lançou quase 10 discos, o último em 2019 (com o músico Daniel Lasbeck). O que acabou mesmo foi a formação clássica e a magia que só o encontro daqueles três homens foi capaz de produzir.
Os compositores Matteus Viana e Chico Araújo estão no estúdio gravando canções feitas ao longo de 50 anos de amizade. O projeto, de nome Resgate, conta com participações dos músicos Luciano Franco e Adelson Viana.
Toca Raul
Na sexta-feira, 28, às 19h30min, o Teatro Chico Anysio recebe uma festa em homenagem aos 80 anos de Raul Seixas, organizada pelo Raulzito Rock Clube. O evento conta com show, lançamento literário, rifa e outras atrações.
Celebração
Cantora e guitarrista cearense, Rayane Fortes inicia em dezembro uma série de shows em que mistura seu repertório autoral com o de Marina Lima. Aproveitando a homenagem, ela lança o single "Não sei dançar", sucesso da carioca dos anos 1990.
Para Caymmi
O pianista Adriano Grineberg está lançando "Uma ode a Dorival Caymmi", em que celebra as canções praieiras do baiano. O disco, já nas redes, conta com participações de Danilo Caymmi, Lazzo Matumbi, Alaíde Costa e Nasi (Ira!).
João Donato
No fim de novembro chega às plataformas o disco "João Donato, sempre presente", do trompetista e arranjador Walmir Gil. Acompanhado do Quinteto Afro Latin Jazz, ele recria as melodias de "Emoriô", "Lugar comum", "Bananeira" e outras.
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