Marcos Sampaio é jornalista e crítico de música. Colecionador de discos, biografias e outros livros falando sobre música e história. Autor da biografia de Fausto Nilo, lançado pela Coleção Terra Bárbara (Ed. Demócrito Rocha) e apresentador do Programa Vida&Arte, na Nova Brasil FM
Foto: Liliane Moreira/ Divulgação
Após anos dedicados ao mercado internacional, Rosa Passos agora quer descobrir o Brasil
Hora de reduzir a marcha
É difícil explicar de onde vem a força de Rosa Passos. Ela é pequeninha, tem uma voz mansa e parece nunca ter ofendido ninguém. Seu violão é preciso, delicado e assertivo, como o de João Gilberto, com quem ela é tão comparada pelas semelhanças estéticas. Em cena, ela distribui flores para a plateia, mas, na medida do possível, escolhe os agraciados. A relação com os músicos é de longa data e, no palco, ela dá o recado: “para tocar comigo tem que ser, no mínimo, virtuoso”. Ela mesma uma virtuose, nem precisa explicar o porquê da exigência.
Refinada e dona de um fraseado inconfundível, Rosa Passos já conquistou o mundo cantando nos grandes palcos das Américas, Europa e Japão. Agora chegou seu momento de redescobrir o Brasil. “Como eu viajei muito para o exterior, sempre estive lá fora, eu sempre tive um sonho de fazer aqui uma turnê. Mas eu sempre estava lá fora, sempre estava fora. Aí, do ano passado para cá, eu conversei com o meu empresário e falei: ‘Eu não quero viajar mais para o exterior, eu quero Brasil’”, relembra sem saber até quando vai essa determinação. “Não sei. Hoje eu quero uma coisa mais perto de casa. Vou ali e volto, entendeu? Porque eu plantei muito lá fora, bastante. Foram muito muitos anos de viagem, 42 países. Até Barnaut de tanto viajar para lá. E o meu desejo sempre foi tour brasileira. Correr o Nordeste, o Sul, porque eu sei o que eu tenho um público aqui e está acontecendo isso. Estou desde o início do ano viajando com meus músicos, tudo lotado, todos os teatros, todos os lugares que eu tenho passado. Esse show tem sido muito bem recebido”, conta ela que vem correndo as cidades com um show em que revisita sua discografia iniciada há 46 anos com o irretocável “Recriação”.
Com 20 discos lançados entre Brasil e exterior, Rosa tem material suficiente para escolher. Até por que, no meio dessa discografia, tem álbuns autorais e outros dedicados às obras Ary Barroso, Tom Jobim, Elizete Cardoso e Djavan. Embora muito ligada à bossa nova, seu repertório percorre algumas muitas décadas da MPB, vindo de Vicente Paiva, passando por Roberto Carlos e chegando a Ivete Sangalo, com quem ela gravou a faixa “Dunas”. “Eu tenho muito orgulho da minha discografia, né? Então eu posso escolher tranquilamente. À vontade”, confirma.
Comentando sobre essa discografia, reafirmo a beleza do álbum de estreia. “O ‘Recriação’? Com aquela voz de menina?”, ela se surpreende. Hoje uma raridade, o disco foi todo feito de parcerias dela com o poeta Fernando de Oliveira – que pela primeira vez assistiu ao show da amiga fora da Bahia em Jericoacoara. O disco de 1979 foi feito a muito custo, depois deles baterem em muitas portas de gravadoras. Quem abriu foi a Chantecler e o trabalho saiu com 10 faixas inéditas que contam com arranjos de Geraldo Vespar, bateria de Wilson das Neves, teclados de Gilson Peranzzetta, bandoneon de Ubirajara (pai de Taiguara), violões de Rosa e viola de 12 cordas com o cearense Zé Menezes.
“É, eu tenho outros discos com composições minhas, como ‘Festa’, ‘Pano pra manga’, ‘Morada do Samba”. E o último disco que eu fiz chama-se ‘Amanhã vai ser verão’, é só composições minhas, canções e boleros”, acrescenta a baiana de 73 anos que já não tem a mesma disposição para compor. “A compositora está parada. E eu falei até com o Fernando de Oliveira: ‘mano, a fonte está um pouco seca, eu não vou forçar uma situação de compor. Eu não estou no momento de compor, eu não sei se eu vou compor de novo. Mas eu tenho esse lado da intérprete, que, graças a Deus, eu desenvolvi. Então posso me dar esse luxo de cantar os grandes compositores, como eu tenho feito. Mas assim, para compor de novo, outra música nova, não sei. A caixinha tá fechada”, brinca.
Até que as novas canções surjam, Rosa viaja com o que criou até agora – muitas delas incluídas no show – e com o que trouxe para si, em suas interpretações. Aliás, além da cantora, ela também é uma exímia violonista. “Eu gosto dessas três facetas. Deus foi muito generoso comigo. Porque eu posso fazer eu com o violão, posso cantar com a banda, que é maravilhosa, estamos juntos há muitos anos. E tem a compositora também. Então dá para fazer as três facetas”, celebra.
E com essas três facetas ela vem em busca do público brasileiro. Brasília, onde mora, Salvador, onde nasceu, assim como grandes centros, ela toca sempre. Nordeste é onde vem menos. Os muitos anos dedicados ao exterior lhe renderam a fama de morar em Nova York ou Paris, cidades onde já trabalhou, mas nunca fixou residência. “É sempre assim: ‘Porque para trazer ela de Nova York, é muito longe’. E meu empresário diz: ‘Não, ela está ali em Brasília’. Então, estou fazendo uma turnê bem legal mesmo. E estou muito feliz. O Brasil está me tratando muito bem. Um público fantástico”.
“É legal porque eu tinha 17 anos quando começou. Eu não fazia a menor ideia do que ia acontecer, sabe?”. Quem afirma é Aquiles Reis, carioca, 77 anos, membro fundador do MPB-4. O grupo vocal, um dos mais tradicionais do Brasil, voltou ao Ceará para uma aguardada apresentação em Jericoacoara, no XVI Festival Choro Jazz. Eles vieram a Fortaleza em abril para um show no Teatro RioMar, com banda completa. Agora foram só os quatro: além de Aquiles, Miltinho, Dalmo Medeiros e Paulo “Pauleira” Malaguti, recém-empossado como membro efetivo, após a morte de Magro Waghabi (1943-2012).
“Uma das coisas que motivou desde o nosso início, ainda com o Magro e com Rui, é a amizade que nos uniu, realmente. E o entendimento do que é a música, do que é a cultura, da importância disso, sabe? Saber que o grupo que a gente formou se tornou maior do que cada um de nós individualmente”, avalia o músico que vem celebrando os 60 anos de carreira do MPB-4. “Não perceber isso é que que causou a dissolução de muitos grupos, de bons grupos. A soma é o que vale e quando isso não é muito nítido na cabeça de cada um, surge sempre aquela: “Porra, eu sou bom. Eu vou sair daqui, ganhar melhor, vou ser melhor reconhecido. Pode ser, claro. Mas, no caso, a gente sempre percebeu a importância do quarteto na vida de cada um de nós”, complementa.
Aquiles afirma que foi essa certeza que fez o grupo permanecer junto por tanto tempo e superar tantas dificuldades. Aí vale incluir atravessar uma ditadura militar, tempestades no mercado da música, mudanças de consumo, a saída ruidosa Ruy Faria (que ele pede para não entrar em detalhes, mas assume que foi particularmente sofrida por se tratar de um grande amigo) e a morte de Magro (vítima de um câncer aos 68 anos). “Vou ser sincero, a perda é insuperável, sabe? Eu sinto muita falta dos meus amigos não só fisicamente, mas da nossa convivência, do nosso entendimento vocal”, assume destacando que, na hora de substituir Ruy, houve uma preocupação sobre como ficaria o timbre do grupo. “O Ruy tinha uma voz belíssima, né? Alcançava notas agudas”, destaca Aquiles que viu características semelhantes em Dalmo. Aí a mesma dúvida veio com a morte de Magro, mas Malaguti conseguiu manter o timbre e as funções de arranjador. “Eu me lembro, quando o Magro morreu, a gente saiu do velório e fomos lá para casa. E a gente chegou a imaginar se seguiria ou não. E foi o Miltinho que deu o mote: vamos seguir para perpetuar o trabalho do Magro. Vamos continuar cantando os arranjos dele, cantar o repertório que a gente cantava junto e a entrada do Pauleira também não alterou em nada o timbre”, comenta.
E foi para revisitar essa história que eles lançaram “60 anos de MPB”, disco celebrativo em que convidaram amigos para gravarem juntos. A lista inclui Guinga, Chico Buarque, Milton Nascimento e muitos outros. “A gente ousou imaginar e terminou sendo possível fazer um disco com essas pessoas todas, né? Os caras super ocupados, cada um com sua vida. E calhou de ir todo mundo topando, todo mundo arranjando tempo. É tudo amigo, cara. Amigo topa fazer, inclusive as roubadas”, comemora ele que descobriu outra habilidade há uns anos e virou um trabalho semanal: crítico musical. Inclusive, foi no Vida&Arte que saiu alguns dos seus primeiros textos. “Isso foi uma coisa que começou meio de brincadeira, mas que está me mobilizando agora. Tem quase 20 anos que eu tenho essa rotina semanal e eu acho sensacional. Para mim foi uma descoberta que me revigorou. Foi muito bom. Se ainda tiver vaga lá, me chame”, alerta.
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