Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho é graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutor em Cardiologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor-associado da UFC, tem experiência na área da medicina, com ênfase em cardiologia, atuando principalmente nas áreas de sistema nervoso autônomo, sistema cardiopulmonar e doença de Chagas. Foi secretário de Saúde do Ceará entre 2019 e 2021
O miserável de hoje é aquele desprovido de carinho, desprovido de acesso, desprovido de identidade. Pois, viver à margem corrói o espírito. Eles não são vistos nos índices, no GINI, no IDH, na renda per capita, nem tampouco pelos governantes
Foto: Thais Mesquita
FORTALEZA, CE, BRASIL, 06.01.2021: Aumento de familias e pessoas em situação de miséria. (Foto: Thais Mesquita/OPOVO)
Numa sociedade em que não existe representação, enxergamos uma divisão entre ricos, pobres e miseráveis. Mas, melhor seria pensarmos em duas únicas, os providos e os desprovidos. Essas, explicam melhor o Brasil do passado, do presente e do futuro próximo. Do ponto de vista sociológico, “desprovidos” são aqueles privados de acesso a recursos, oportunidades ou direitos essenciais à vida digna, são os miseráveis da modernidade.
Pois bem, o que me preocupa na miséria não é somente a carestia, a desesperança, o medo, e sim não ter lembranças, não ter histórias para contar, é ter vergonha do passado. A miséria de hoje é diferente de outrora. O viver, o sobreviver diário dependente da força física e da submissão.
O miserável de hoje é aquele desprovido de carinho, desprovido de acesso, desprovido de identidade. Pois, viver à margem corrói o espírito. Eles não são vistos nos índices, no GINI, no IDH, na renda per capita, nem tampouco pelos governantes. Assim definimos essa outra classe, a dos desprovidos. Muitas vezes estão entre as estatísticas dos empregados. Eles vivem o aqui e o agora. Não dispõem de uma calçada para andar à toa, de um tempo para curtir o ócio, moram muito longe, seus filhos estudam e não apreendem.
E o lar não é um refúgio, é uma confirmação da vida dura, debilitando sua saúde dando lugar ao adoecimento. Eles sabem que não possuem direitos mínimos aos tratamentos e ao acolhimento, tanto no sistema público como no privado. E por incrível que nos pareça, são capazes de sorrir. Sei que muitas vezes envergonhados, tímidos, como se não tivessem direito.
Há anos os vejo diariamente sufocados nas cidades, nos pontos de ônibus, nos trabalhos desprestigiados. Infelizmente, os desprovidos continuarão desprovidos em sua maioria. Resta-lhes somente a esperança insistente, manter-se firme nos princípios, na simplicidade e na ternura.
Resta-lhes manter o sorriso estampado, com a certeza que contribuem para a mudança. Resta-lhes descrer nas promessas e criar uma consciência ativa. A revolução dos desprovidos há de acontecer, com ou sem força, com determinação, com trabalho, com inteligência, com astúcia e com ética.
Enfim, urge uma cidade justa para os desprovidos, uma moradia decente, com saneamento e infra estrutura, um sistema de saúde de verdade, uma educação que habilite os filhos para uma vida digna. Pois, assim, não serão miseráveis, e sim o futuro. Só precisam entender e agir.
Urge se unirem! Talvez um caminho seja através das organizações da sociedade civil. Elas nos representam, o resto é o resto. Assim sempre foi…
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