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Uma péssima ideia com a semente do caos
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Uma péssima ideia com a semente do caos

Tipo Opinião
Policiais militares amotinados no 18* Batalhão em fevereiro de 2020 (Foto: Fco Fontenele/O POVO)
Foto: Fco Fontenele/O POVO Policiais militares amotinados no 18* Batalhão em fevereiro de 2020

O Brasil é pródigo em ideias ruins. Foi assim que chegamos até aqui. E surpreende pela capacidade de produzir ideias cada vez piores. Tramitam no Congresso Nacional projetos de leis orgânicas das polícias civis e polícias militares. Entre as propostas, com simpatia previsível de pessoas próximas ao Palácio do Planalto, está reduzir o poder dos governadores sobre as polícias. A ideia é aumentar a autonomia das entidades policiais, com mandatos para comandantes-gerais e delegados-gerais. As exonerações só poderiam ocorrer em condições específicas, justificadas e por motivo comprovado. No caso da Polícia Militar, a ideia é de lista tríplice. Governadores teriam de indicar um dos três mais votados entre a categoria. Algo que o presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, não fez ao escolher Augusto Aras para procurador-geral da República.

O modelo é curioso porque um fundamento da estrutura militar é a autoridade e a disciplina. Força militar não subordinada ao comando de Estado é uma tropa paramilitar. É uma milícia. É intrigante a ocasião em que se propõe tal coisa. Sobretudo a se observar a situação a partir do Ceará. Desde 1997, o Estado teve três grandes motins. Cada qual maior que o outro. O do ano passado foi um dos maiores já vistos no Brasil. Foi em um estado. Em outras época, esses movimentos se alastraram rapidamente. A regra, se aprovada no Congresso Nacional, valeria para todos. E precisa considerar as várias realidades.

Falar em maior autonomia a tropas nas quais segmentos têm reiteradamente dado demonstrações de insubordinação é plantar a semente do caos, construir uma situação que pode se mostrar incontrolável. A quem interessa?

Ford, que vai embora do Brasil, já construiu cidade no meio da Amazônia

A Ford sair do Brasil após mais de 100 anos de produção no País seria impensável para o industrial americano Henry Ford quando, em 1927, iniciou a construção de uma cidade no meio da selva do Pará. Numa área de 10 mil quilômetros quadrados, Ford planejava o plantio de 2 milhões de seringueiras. O apogeu da borracha no Brasil — com forte presença de mão de obra cearense — havia ficado para trás.

Entre o fim do século XIX e o começo do século XX, a Amazônia tinha chegado a produzir 95% da borracha mundial. Mas, em 1876, o explorador britânico contrabandeou sementes num grande escândalo de biopirataria. Permitiu assim a criação de grandes plantações de seringueiras nas colônias britânicas do sudeste asiático. Eram bem mais produtivas que na Amazônia, onde os seringais nasciam no meio da floresta.

Àquela altura, em 1927, a Amazônia tinha caído a pouco mais de 2% do mercado global. Nos Estados Unidos, a Ford controlava praticamente todas as matérias-primas envolvidas na cadeia de produção. Menos a borracha, sob controle do Império Britânico. Aí entrava a cidade no meio da selva: Fordlândia.

Para além da produção, Ford idealizara um paraíso idílico nos trópicos, sem a degeneração da sociedade industrial que ele havia ajudado a erguer. Muito trabalho, proibição de bebida alcóolica e longe de sindicatos. Foram construídos hospitais e escolas. Havia piscinas, campo de golfe, quadras de tênis. Um modo de vida como se idealizava típico dos Estados Unidos, sem as deturpações. Para abrir espaço para tudo isso, houve uma das maiores queimadas de todos os tempos. A borracha seria o carro-chefe, mas a ideia era lucrar com madeira e extração de minerais.

O plano de Henry Ford, a quem Monteiro Lobato chamou de "Jesus Cristo da indústria", deu bastante errado. A Grande Depressão atingiu o projeto ainda no nascedouro. Os trabalhadores não se acostumaram com a disciplina sonhada por Ford, nem com a alimentação. Rebelaram-se. Pragas atingiram as árvores, não mais no ambiente nativo da floresta, mas plantadas em campo de monocultura. A serraria deu prejuízo. Houve sucessivas trocas de comando — um gerente se afogou no rio e outro teve filhos que morreram de doenças tropicais. Em 1945, Fordilândia foi entregue ao governo por uma fração do valor investido para pagar dívidas trabalhistas.

 

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