Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
O modelo de gestão do Castelão, reconstruído para a Copa de 2014, prometia ser revolucionário. Sob administração pública e provada, já passaram vários responsáveis e os problemas se acumularam
O estádio Castelão recebeu ontem uma partida internacional e no fim de semana abrigará rodada dupla das semifinais da Copa do Nordeste. Na terça-feira, um curto-circuito provocou incêndio no estádio. O segundo em menos de três meses. Não é normal.
Há problemas evidentes de manutenção. Até hoje os danos do incêndio de 30 de janeiro não foram reparados por completo. Haverá licitação para elementos da cobertura do estádio, que foram afetados. Então é isto: o Castelão tem princípio de incêndio quando os danos do episódio anterior não foram nem reparados.
Como está a manutenção
O repórter Lucas Barbosa mostrou, no O POVO de ontem, o status da manutenção do Castelão. Em setembro de 2019, foi firmado contrato de seis meses para manutenção preventiva e corretiva. Foi feito com dispensa de licitação, porque o Departamento de Arquitetura e Engenharia (DAE) cobrou de modo "urgente" providências para manutenção, “principalmente nas instalações elétricas, hidrossanitárias e de combate a incêndio, itens bastantes desgastados e na iminência de entrar em colapso/interrupção, a ponto de deixar não só a Arena Castelão sem funcionar, mas também a própria sede da Sejuv e da SOP." A reportagem de Lucas Barbosa mostra ainda que o contrato não foi renovado e a manutenção passou a ser feita pelo próprio Estado.
Não sou dos que defendem que o poder público não tem como manter equipamentos públicos. Que precisa necessariamente contratar uma empresa privada. Mas, o fato é que essa manutenção tem demonstrado problemas. Não é que ela deixa de ocorrer. O curto-circuito de terça-feira ocorreu, segundo a informação oficial, durante procedimento de manutenção de rotina. Se o Estado vai cuidar disso, precisa investir para tal. Ter equipe com quantidade e capacitação, treinada e equipada para fazer isso adequadamente. O resultado não tem sido bom. Ou alguém vai me dizer que está tudo bem em ter dois incêndios em três meses?
Questão de modelo
Os incêndios são a ponta de um problema no modelo de gestão do Castelão que surgiu ainda antes da Copa do Mundo de 2014. Vamos lembrar, as obras para o Mundial da Fifa foram apresentadas como redenção e sopro de modernidade no nosso atraso. Os modelos de parcerias público-privadas (PPPs) seriam o meio para ter serviços e equipamentos públicos orientados pelos resultados. O Castelão acabou sendo exemplar até, em vista do Maracanã, da arena de Brasília (acho uma ofensa chamar de Mané Garrincha um estádio metido em tantas falcatruas). Foi entregue no prazo e sem estouro de orçamento. A licitação da PPP do Castelão foi vencida pelo consórcio formado por Galvão Engenharia, em parceria com Serveng Cilvisan e BWA Tecnologia de Informação.
Ocorre que a Galvão não queria gerir o estádio. É uma construtora — que inclusive entrou em colapso durante a operação Lava Jato, e está em recuperação judicial. Ela queria era construir. Fez isso e, antes de ser atingida pela Lava Jato, deixou a gestão do Castelão após entregar a obra no prazo — o que já é uma raridade. Em abril de 2014, a Galvão saiu. A BWA assumiu o controle acionário do consórcio, em joint venture, uma parceria empresarial, com a francesa Lagardére e formou a concessionária Luarenas e passou a gerir o Castelão. Ela também administra outros estádios pelo País.
Ainda em novembro de 2014, o Governo do Estado fez intervenção no Castelão e retomou a gestão, tirando a Luarenas, apontando graves deficiências de gestão e inclusive risco aos usuários. O consórcio ameaçou ir à Justiça, mas no começo de dezembro, o então governador Cid Gomes revogou o decreto de intervenção e devolveu a gestão após a Luarenas apresentar plano para melhorias.
As turbulências prosseguiram. Quando ainda estava na gestão, a Galvão firmou contrato em dezembro de 2012 com a Fun Night pela gestão dos bares. Quando a Luarenas entrou, apontou que os valores recebidos nesse acordo eram irrisórios e a questão foi parar na Justiça.
Em novembro de 2018, o contrato com a Luarenas terminou. O consórcio quis renovar, mas o Estado preferiu assumir diretamente. Em 2019, Ceará e Fortaleza fizeram acordo para ficar com a gestão em dias de jogos, o que pode ser uma ótima ideia, mas, quando deveria amadurecer, em 2020, foi mais uma das vítimas da pandemia.
Os problemas dos últimos meses felizmente ocorrem quando o Castelão está sem público. Porque certamente as falhas poderiam ter consequências piores.
Passados mais de dez anos da licitação da PPP do Castelão, o modelo que seria a redenção da administração dos serviços públicos já foi abandonado. Uma das empresas saiu, o consórcio que quis ficar não teve contrato renovado, o Estado assumiu e está com dificuldades. O que define a qualidade da gestão não é o fato de ser privada ou pública, mas a competência ou incompetência, além das condições dadas.
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