Campos de concentração no Ceará: por que o horror acontece
clique para exibir bio do colunista
Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Campos de concentração no Ceará: por que o horror acontece
Há 90 anos, o Ceará viveu a vergonha de instalar campos de concentração para flagelados da seca. Uma estratégia para manter os pobres confinados e sob controle, longe dos olhos da sociedade. Algo que foi possível por causa do silêncio aprovador da dos setores médios da população
Foto: Aurélio Alves
Prédios da Vila dos Inglêses serviram ao campo de concentração
Há 90 anos, o Ceará viveu um dos episódios mais tristes e vergonhosos de sua história: os campos de concentração da seca de 1932. A história é lembrada em série de reportagens da jornalista Marcela Tosi, cujo primeiro episódio foi publicado nesta semana no O POVO Mais.
Não eram campos de extermínio, como os locais em que os nazistas aplicaram a "solução final" aos judeus, na década seguinte. Eram espaços de controle da população pobre. Primeiro, na Seca do 15, com o Campo do Alagadiço, no atual bairro São Gerardo, em Fortaleza. Mantinham ali confinados os retirantes, flagelados que fugiam da estiagem no Interior. Mantê-los ali era a maneira de evitar que causassem perturbação para a população da capital. Tratava-se de controle social.
Higienização
Fortaleza vivia período de reforma urbana, com tentativa de embelezamento com padrões inspirados na Europa do fim do século XIX e começo do século XX. O que o historiador Sebastião Rogério Ponte chamou de Belle Époque, adaptando o conceito europeu. Outros autores consideram um arremedo de Belle Époque. De todo modo, a cidade passava por momento de higienização, de mudança de condutas morais, inclusive, controle de comportamentos.
Evitar que mendigos e pessoas com doenças mentais estivessem à vista da sociedade era uma das políticas. Os flagelados, sujos, famintos e esfarrapados, eram um golpe contra esse embelezamento físico e moral de Fortaleza. Havia um padrão estético de como a sociedade fortalezense queria parecer, e não combinava com os miseráveis que fugiam da estiagem no interior.
Do Campo do Alagadiço, em 1915, os campos se concentraram na terrível seca de 1932, há 90 anos. Foram seis: em Ipu, Quixeramobim, Senador Pompeu, Cariús, Crato e dois em Fortaleza. A estratégia passou a ser, tanto quanto possível, manter os retirantes no interior mesmo. Evitar que conseguissem chegar à capital.
A história dos campos de concentração não é passado. Ela é parte de um enredo que se desenrola até hoje: como a sociedade lida com as populações pobres. Aquele momento de confinamento foi talvez o mais terrível e vergonhoso episódio do controle social e higienismo no Ceará. Mas, infelizmente, o sentimento está aí até hoje.
Higienização hoje
Quando se anda por Fortaleza com ruas repletas de populações em situação de rua, nas calçadas, nas praças — onde conseguem estar. Quando as pessoas ocupam terrenos baldios, locais insalubres, beira de rios, áreas verdes inclusive, causam incômodo. É uma situação que precisa ser enfrentada.
Mas, pouco se quer enfrentar a questão da moradia. Das políticas públicas essenciais — ao lado de saúde, segurança pública, educação — é talvez a menos valorizada pela classe média, por aqueles que têm onde morar. Para quem precisa, nenhuma é tão importante.
Os fortalezenses se incomodam com pessoas em situação de rua pedindo dinheiro em sinais e dormindo em praças. Mas, querem que haja solução para o problema? Ou deseja apenas que aquelas pessoas desapareçam?
Os campos de concentração para pobres vítimas da seca, os “currais do governo”, como eram chamados, existiram como estratégia de isolar os pobres para manter o problema longe dos olhos dos setores médios. Foram criados para atender a essa demanda, e foram tolerados porque a sociedade aceitou, não se indignou com aquele absurdo. Muitos, silenciosamente, gostaram de ver os pobres isolados e apartados dos espaços públicos.
Há 90 anos, a pobreza era tratada como problema a ser isolado, controlado, mantido confinado. Ainda hoje é tratado como problema de polícia. O fortalezense achava desagradável a visão dos flagelados há 90 anos e acha repugnante, hoje, a população em situação de rua. Não é mesmo agradável, mas a solução é econômica e social. Precisa passar por ação governamental. O impulso e o sentimento que levaram o Estado a manter os pobres confinados há 90 anos ainda existe e ainda influencia as ações públicas.
É análise política que você procura? Veio ao lugar certo. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.