Há 40 anos, "pacto dos coronéis" em Brasília mudou política do Ceará
Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Há 40 anos, em 24 de março de 1982, ocorreu uma das mais marcantes reuniões da história do Ceará. Em Brasília, os três coronéis — Virgílio Távora, Adauto Bezerra e César Cals — firmaram o acordo que definiu o rumo da eleição para governador do Ceará. A solução para o impasse foi mediada pelo ministro-chefe do Gabinete Civil do presidente João Figueiredo, Leitão de Abreu. Ninguém sabia àquela altura, mas ali se iniciava o fim do ciclo dos coronéis.
Estava em jogo a sucessão para o governo do Ceará. E não uma mudança de governo qualquer. Seria a primeira eleição direta para governador em 20 anos. Virgílio Távora estava no cargo e iria renunciar para concorrer a senador. Manoel de Castro assumiria para mandato tampão. O poder estadual era dividido entre os três coronéis. Todos eram do PDS, partido herdeiro da Arena. Mas, era como se fossem três PDSs, três partidos diferentes, que precisavam se entender. Cada um tinha um plano diferente para a sucessão estadual. Era isso que Leitão de Abreu tentava mediar em Brasília.
A reunião ocorreu no quarto andar do Palácio do Planalto. Um acima de onde fica, até hoje, o gabinete do presidente da República. Virgílio tinha como candidato um ex-secretário, Aécio de Borba. Adauto queria ele próprio ser candidato. E Cals defendia a candidatura do ex-senador Wilson Gonçalves. O escolhido, porém, não foi nenhum deles, mas outro ex-secretário de Virgílio, Gonzaga Mota. Foi uma surpresa até para ele. Como se chegou a essa decisão? Em entrevista às Páginas Azuis do O POVO, em 2011, Gonzaga Mota contou o que ocorreu.
O relato foi feito a ele, conforme contou, pelo ajudante de ordens de Virgílio, que depois exerceria a mesma função com Mota. Leitão de Abreu representaria o presidente Figueiredo no sepultamento de um jurista no Rio Grande do Sul, às 17 horas. Conforme O POVO registrou à época, a reunião começou às 11h45min. O ministro precisava viajar até as 14 horas.
De acordo com o que contou o ajudante de ordens e reproduziu Gonzaga Mota, Leitão perguntou a cada um quem era o candidato que apoiavam. O impasse seguia. Eles almoçaram — O POVO registrou que foram servidos filé à parmegiana, creme de galinha, arroz e água mineral. A informação é de que não havia bebida alcoólica. E o acordo não saia.
Já era cerca de 13h30min, o ministro olhava para o relógio, a assessoria chamava. Até que ele perguntou se Virgílio teria uma alternativa. O então governador disse que sim: o ex-secretário do Planejamento, Gonzaga Mota. O ministro perguntou se Adauto tinha algo contra Gonzaga. Ele respondeu que não. O mesmo procedeu com Cals. “‘Então, disse o doutor Leitão, referindo-se ao Adauto e ao César, ‘você indica o vice e você o prefeito de Fortaleza. Até logo, vou embora, vamos capitão’. E seguiu para o enterro do desembargador. Assim se deu a minha escolha”, disse Gonzaga Mota.
Adauto, de fato, foi vice. Prefeito de capital na época não era eleito, e o indicado foi o filho de Cals, César Neto.
Gonzaga Mota disse que, enquanto isso, tinha ido à praia com a esposa e o filho caçula. Conta que não sabia de nada, nem de vaga intenção de Virgílio. Dormia quando Manoel de Castro mandou chamá-lo no Palácio. Já estava repleto de jornalistas, que já sabiam que ele havia sido escolhido candidato a governador.
O relato feito pelo O POVO na época era um pouco diferente. Pouco antes do almoço, Adauto teria aceitado outro candidato, desde que não fosse Aécio. Cals sugeriu o senador Almir Pinto ou o deputado estadual Almir Pinto. Adauto sugeriu os deputados Ossian Araripe, Evandro Ayres de Moura ou Etevaldo Nogueira. Virgílio, ao admitir que não seria Aécio, apontou José Lins Albuquerque e Gonzaga Mota. O último agradou a Cals. Adauto ainda apresentou como contraproposta Lúcio Alcântara ou Aquiles Peres Mota. Mas, com a aceitação de Virgílio e Cals, deu Gonzaga.
Ele foi eleito com o maior percentual de votos registrado no Ceará (70,16%), marca só superada por Camilo Santana (PT) em 2018 (79,9%). Em 1984, Mota foi o primeiro governador a apoiar as Diretas Já. Rompeu com os coronéis e lançou Tasso Jereissati a governador, em 1986, contra Adauto. Tasso, eleito, rompeu com Gonzaga Mota e iniciou novo ciclo político. Mas, essa é outra história.
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