Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
A CPI do Motim foi instalada em agosto, sete meses atrás, mas agora vêm a público os primeiros elementos concretos. No primeiro depoimento, eles soam ainda como passos iniciais. Há coisas que merecem ser investigadas. A movimentação de milhões em dinheiro em espécie. Parece ser agora uma linha central.
Os saques são estranhos, mas por si só estranheza não prova. A investigação terá de ir além se quiser chegar a algum lugar. O primeiro a depor, Cleyber Araújo, presidente da Associação dos Profissionais de Segurança (APS), disse que demonstrou que a entidade não financiou, não foi a motivadora e não participou do movimento. Não me parece que tenha provado isso. Mas, não é ele quem precisa provar. Ônus da prova é de quem acusa.
Porém, quanto à participação, fica mais difícil negar. Sobre o financiamento de ônibus para manifestação, Cleyber defendeu que esteve dentro da legalidade. E afirmou que a natureza do ato não era protesto. “Ali não foi nenhum protesto, foi um encontro.” Francamente, foi um protesto. E duro, muito incisivo contra o governo.
O papel do Capitão Wagner
A CPI deixou claro que quer saber qual a vinculação da entidade com Capitão Wagner (União Brasil). É fato a proximidade, há pessoas relacionadas e há o histórico. Wagner foi presidente da entidade. Até aí não há nada necessariamente errado. O relator da CPI, deputado Elmano de Freitas (PT), afirmou que a APS é a pessoa jurídica que serve de braço político para Wagner. Alegação de aparelhamento de instituições não é novo nem é exclusivo desse caso. Para implicar Wagner, a CPI precisa fazer duas coisas: comprovar essa relação da APS como operadora política do capitão, e, principalmente, demonstrar a ilegalidade da atuação da associação.
O que pode e o que não pode
Uma coisa é saber se as associações financiaram o motim. Que elas extrapolaram os limites legais até onde podem ir me parece mais evidente. E isso foi inclusive consentido pelo governo. Em entrevista ao O POVO em fevereiro, o procurador-geral de Justiça do Ceará, Manuel Pinheiro, deu explicação didática sobre o que podem e não podem fazer as associações. “A Constituição, quando diz que não pode haver sindicalização e greve, não permite que aconteça é a conversa sem intermediação direta, associações de militares agindo como se sindicatos fossem. Os sindicatos sim, na Constituição e na CLT, têm essa atribuição de, diretamente, sentar à mesa de negociação, apresentar uma pauta de reivindicações, inclusive de cunho remuneratório, e discutir isso com quem pode atender esses pleitos. Mas, em relação às carreiras militares, isso não pode ser feito diretamente. Fazer isso diretamente é função típica de sindicato.” Ou seja, as associações, no entender da PGJ, não poderiam fazer algo que efetivamente ocorreu, que é sentar à mesa de negociação.
“No caso dos militares, pela condição própria que eles têm, a associação não pode atuar como se sindicato fosse. Não pode promover atos que indiquem que a deflagração de greve é uma das opções. E não pode também sentar à mesa com uma pauta de reivindicações diretamente, sem a intermediação, seja do comando das forças, seja de uma frente parlamentar. E isso é o que estava acontecendo.”
Ah, mas então o que as associações podem fazer? “Elas têm uma existência lícita para todos os programas assistenciais em favor dos militares, que são prestados, os serviços de assistência jurídica, de assistência médica, odontológica, ações culturais, de integração”.
Então, os militares não têm quem os represente? Pinheiro também explicou. “Para que essa categoria não fique sem voz, ela tem de ser representada nos seus pleitos perante a administração pública. Existem outras alternativas. A decisão como paradigma na época é do ministro Alexandre de Moraes e falava que deveria haver um canal de vocalização dos interesses dessa categoria. Mas, esse canal poderia ser uma bancada parlamentar, uma frente parlamentar da segurança pública que apresentasse os pleitos da categoria à administração pública.”
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