Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Duas pessoas assassinadas na floresta amazônica, patrimônio do Brasil e do planeta. Os corpos, conforme os relatos, foram mutilados, esquartejados e queimados. O que foi encontrado não tem sido definido pelas autoridades com cadáveres, mas como remanescentes humanos. Passarão por perícia para as identidades serem confirmadas. As vítimas foram um jornalista estrangeiro e um servidor público licenciado, uma das maiores autoridades em questão indígena. Um crime bárbaro, brutal, que não pode ser naturalizado.
Violência contra defensores dos direitos humanos, ambientalistas e também contra jornalistas não começou agora, mas é preciso entender como a atual conjuntura interfere. Na própria Amazônia, Chico Mendes foi assassinado em emboscada em 1988. A missionária americana Dorothy Stang foi executada em 2005. No Ceará, em 2010, foi assassinado o agricultor José Maria do Tomé, em Limoeiro do Norte. Todos com histórias parecidas, de defesa do meio ambiente e das comunidades em locais de conflitos por terra.
Em 2011, o casal de castanheiros José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, ambos ambientalistas, foram mortos em emboscada no Pará. Um dia após o crime, a Câmara dos Deputados aprovou o Código Florestal, numa vitória total dos ruralistas, que reduziram proteções e facilitaram desmatamento. Naquele dia, foi anunciada em plenário a morte do casal. E eles foram vaiados, pelos ruralistas em plenário e pelas claques nas tribunas. Um dos episódios mais bizarros e asquerosos já vistos no Congresso Nacional. E olha que a concorrência é farta. Estes são alguns poucos exemplos.
Citei episódios dos governos de José Sarney (MDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT). Todos eles devem responder pelos crimes? A culpa agora é de Bolsonaro?
Não usaria a palavra culpa, mas sem dúvida todos eles têm responsabilidade pela situação. A Amazônia é um tesouro e um desafio complexo. No Brasil de Bolsonaro, porém, a situação é diferente. O governo não matou Bruno e Dom, mas há um cenário que favorece a violência. Bolsonaro tem responsabilidade pelo que fez antes do crime, durante a investigação e depois da confirmação.
O que fez o governo
1) Bolsonaro já dizia a que viria antes de tomar posse: "No que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena." E realmente não houve demarcação alguma. O presidente comemorou isso em fevereiro passado.
2) O governo demonstra desdém pela área ambiental, bate recordes de desmatamento, apresenta dados distorcidos em foros internacionais. Símbolo disso é o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que dizia querer "passar a boiada" na mudança de legislação ambiental enquanto as pessoas estavam preocupadas com a pandemia. Foi demitido depois de operação da Polícia Federal que o investiga por suspeita de favorecer madeireiros em exportação ilegal.
3) Bruno Pereira foi exonerado em 2019 da função de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Diretoria de Proteção Territorial da Fundação Nacional do Índio (Funai).
4) O presidente da Funai, Marcelo Xavier, disse as vítimas erraram ao não comunicar aos órgãos de segurança sobre a viagem e não pedir autorização à Funai. Mas, a Funai foi comunicada e deu autorização. Olha o nível de escárnio. Duas vítimas de crime são responsabilizadas por algo que teriam deixado de fazer, mas que foi feito.
5) Indígenas, a Defensoria Pública da União e as Nações Unidas cobraram o governo sobre o que consideraram demora nas buscas.
6) Quando já era dada como certa a morte dos dois, Bolsonaro disse que Phillips era malvisto na região, por matérias contra o garimpo e meio ambiente. Segundo o presidente, ele deveria ter redobrado os cuidados. Ora, ele foi morto por criminosos brutais. Ser malvisto por tais pessoas é bom sinal. Perigoso é ser bem visto por assassinos. Como escrevi no início, tal risco não pode ser tratado como natural.
7) Após confirmada a morte, Bolsonaro fez manifestação bem discreta. Nem chegou a fazer publicação em redes sociais, talvez a única coisa em que é bom. Aproveitou post da Funai com a nota de pesar para responder com um comentário.
A Amazônia é um desafio intrincado e a situação se agrava. Nesta semana, foi divulgado vídeo gravado em Rondônia no qual madeireiros cercam viatura da Polícia Militar e a impedindo de perseguir caminhão carregado de madeira. Olha a audácia.
Decisões e atitudes do governo brasileiro contribuíram antes para o ambiente em que ocorreu o crime e afrontaram as vítimas depois. Cabe a Bolsonaro sobre o caso algo de que ele se esquiva o quanto pode em todos os campos: responsabilidade.
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