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Ser mulher, negra e nordestina trouxe barreiras adicionais ao fazer ciência, diz pesquisadora
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Ser mulher, negra e nordestina trouxe barreiras adicionais ao fazer ciência, diz pesquisadora

Flora Bacelar pesquisa física estatística e sistema complexos. Ela fala sobre fazer ciência no Nordeste
Tipo Notícia
Flora Bacelar (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Flora Bacelar

No último dia 8 de julho se comemorou o Dia Nacional da Ciência. Para marcar a data, ao longo deste mês, o instituto Serrapilheira, em parceria com a Maranta Inteligência Política, realiza uma campanha de "ocupação" de colunas na imprensa para falar de ciência em momento de eleições. Fico feliz em participar pela segunda vez (a primeira foi aqui). Entrevistei a professora Flora Bacelar, que pesquisa física estatística e sistemas complexos. Ela fala sobre o trabalho que desenvolve e sobre o desafio de fazer ciências exatas sendo mulher, negra e na Região Nordeste. 

O POVO - A senhora pesquisa um campo de ciência de ponta. Seu estudo sobre sistemas complexos chega às aplicações? Em que áreas?

Flora Bacelar - A maioria das questões científicas que lido estão dentro do que classifico como ciência pura/básica, são voltadas para a construção do conhecimento acerca de cada fenomenologia tratada, e muitos dos modelos dos quais desenvolvi nos dão respostas qualitativas acerca do fenômeno. No entanto, pude presenciar em um dos meus trabalhos o interesse de outros pesquisadores que desenvolvem uma pesquisa mais aplicada. Este trabalho está descrito em um artigo que versa sobre um estudo para descrever a dinâmica do fogo em savanas, neste trabalho desenvolvi junto a meus colaboradores um modelo com a linguagem de autômato celular em que as condições espaciais eram usuais neste tipo de modelagem, ou seja, dentro de um reticulado. Esta equipe de pesquisadores da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) desenvolveu este modelo no mapa da chapada diamantina para aplicações de políticas de controle e prevenção de queimadas, visto que a questão do fogo é algo imprescindível para espécies fogo-dependentes, mas que também tem sido um entrave quando ultrapassa proporções ideais para a natureza, turismo, comercio, devido às influências das mudanças climáticas e antrópicas. Desta forma caminha a ciência, nem sempre a aplicabilidade é foco do estudo e não tem que ser!

OP - Parte da sua formação como pesquisadora ocorreu na própria Bahia, mas a partir de determinado momento a senhora foi para fora do Brasil. Quais as possibilidades hoje para desenvolvimento de pesquisa na área de Física no Nordeste? Avançamos em relação ao seu período de iniciação na ciência?

Flora - Não sei se posso falar pela região Nordeste, mas enquanto mulher, negra e nordestina, sei o quanto estar nessa região aliada às outras interseccionalidades citadas me proporcionou barreiras adicionais. O Nordeste sempre sofreu preconceitos devido a muitas questões dentro do nosso Brasil seja no recebimento de menos verbas à ciência, seja em menos destaque aos nossos cientistas etc. Preconceito de fruto cultural e estrutural injustificável, pois aqui temos a existência de grandes projetos, com grandes colaborações e financiamento. Para dizer que avançamos precisaria me debruçar em pesquisas que coletaram certos marcadores, no entanto, diria que avançamos ao longo desses anos, pois temos centros de referência nacional e internacional ao longo da nossa região e com muita felicidade recebemos cada vez mais estudantes estrangeiros, assim como exportamos capital humano intelectual para adentrarem outros centros de pesquisa de renome nacional e internacional, e chamo atenção para centros de renome nacional e internacional dentro do Nordeste. Essa rede de colaborações foi muito intensificada com os projetos Ciências Sem Fronteiras e investimento das agências de fomento aos projetos nordestinos, onde pesquisadores e estudantes tiveram condições de ultrapassar os muros dos seus centros de pesquisa/ensino e mostrar que já fazemos ciência há muito tempo. Mas infelizmente houve uma redução drástica em âmbito nacional com os cortes à ciência e educação dentro das “políticas” do governo federal atual.

OP - A Física é ainda uma área com maior participação de homens? As mulheres têm conquistado espaço?

Flora - Infelizmente a física, entre outras áreas do conhecimento ditas “exatas” ou ciências “duras”, são majoritariamente ocupadas por homens, e iria além no meu discurso explicitando que são ocupadas por homens cisgênero heteronormativos. Estatisticamente ainda somos minoria, mas felizmente, o aumento de movimentos sociais e políticos dentro e fora das universidades vem transformando essa estatística em algo mais diverso. Ainda é um caminho longo, mas existem projetos e ações para o aumento e permanência de mulheres nas ciências, e aos poucos vamos conseguindo vencer essa luta pela diversidade e equidade nesses espaços ainda ocupado pelos homens brancos heteronormativos. Atualmente tenho participado de projetos e grupos voltados para essa questão tão cara a citar, a rede Kunhã Asé, Soapbox Science em Salvador e projetos de mulheres na ciência das professoras Lynn Alves (BI-CT UFBA) e Blandina Viana (IBIO UFBA), além iniciar um projeto de pesquisa sobre evasão de mulheres nos cursos de física em colaboração com a professora Madaya Aguiar (FACED UFBA) e a instauração de uma ouvidoria no IFUFBA.

OP - Como tem sido desenvolver pesquisa no Brasil atualmente?

Flora - Atualmente tem sido complicado diante dos cortes orçamentários das agências de fomento, a citar um exemplo pessoal, participo de um projeto dentro de um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudo Interdisciplinares e Transdisciplinares em Ecologia e Evolução (INCT-INTREE) que sofreu muitos cortes que inviabilizaram o pagamento de bolsas para estudantes, encontros com nossos colaboradores internacionais, assim como compra de materiais e insumos para laboratórios necessários a nossa pesquisa. Sem apoio governamental é muito complicado desenvolver ciência.

OP - Quais possibilidades a pesquisa em sistemas complexos traz para o Nordeste?

Flora - Diversas, pois a pesquisa em sistema complexo é muito versátil, pois quase todos os sistemas que estudamos são complexos, sejam eles sistemas sociais, antropológicos, físicos, ecológicos etc. Durante a pandemia surgiu o consorcio do Nordeste e a rede Covida, que lida com as questões pandêmicas relacionadas a Covid-19. Esse é apenas um exemplo que chegou às mídias em todo o Brasil sendo uma referência e mostrando a força de se fazer ciência inter e transdisciplinar (em conjunto com diversos ramos da sociedade) dentro do Nordeste. A equipe de cientistas desenvolveu muitos modelos aplicados para o auxílio da tomada de decisão de políticas públicas.

Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. A entrevistada é a professora doutora Flora Souza Bacelar (IFUFBA, INCT-IN TREE).

Foto do Érico Firmo

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