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O valor do voto de cada um
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

O valor do voto de cada um

Preconceito contra voto dos nordestinos parte da ideia de que alguns são mais aptos do que outros para decidir quem governará a todos
Tipo Opinião
Bolsonaro com chapéu de couro no Ceará, na campanha de 2018 (Foto: TATIANA FORTES, em 2018)
Foto: TATIANA FORTES, em 2018 Bolsonaro com chapéu de couro no Ceará, na campanha de 2018

O espetáculo de xenofobia em relação aos nordestinos tem se tornado cansativa rotina após cada eleição presidencial. Comentários preconceituosos que causam espanto de tão rasos, baixos e desconectados da realidade. Protagonizados até pela vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Uberlândia.

Ter contato com esse conteúdo é rara ocasião em que eu e muitos nordestinos, normalmente em posições de privilégio, nos vemos alvos de preconceito. Para tantos, é a realidade cotidiana. Definitivamente, não é bom, ainda que repetitivo. A evidência da estupidez alheia não reduz o impacto da agressão.

Na quarta-feira, 5, o próprio presidente Jair Bolsonaro (PL) foi a live para destacar dados de matéria do UOL. A forma como leu aquelas informações relacionou o voto dos nordestinos à falta de educação. “Uma notícia importante, pessoal: ‘Lula venceu em nove dos dez estados com maior taxa de analfabetismo’. Vocês sabem quais são esses estados? São do nosso Nordeste. Não é só taxa de analfabetismo alta o mais grave nesses estados. Outros dados econômicos agora também são inferiores nessas regiões.” Na sequência, ele disse: “Esses estados do Nordeste estão sendo há 20 anos administrados pelo PT”.

Bom, para começar, não há nenhum estado do Nordeste governado há 20 anos pelo PT. Zero. Em alguns, como Maranhão, Pernambuco, Alagoas e Paraíba, nunca foram governados pelo PT. Entre esses estão as duas piores taxas de analfabetismo: Alagoas e Paraíba.

Tal associação entre pobreza, falta de educação e voto é antiga e preconceituosa. Passou a ser feita pela direita contra a esquerda neste século. Porque, em 1994 e 1998, foi Fernando Henrique Cardoso (PSDB) quem ganhou na região. Era comum na época pessoas da esquerda dizerem que o PSDB se mantinha no poder com o voto de locais atrasados. Antes, em 1989, os nordestinos votaram em Fernando Collor de Mello contra Lula. Antes da ditadura, em 1960, Jânio Quadros foi o mais votado no Nordeste. Nem sempre, portanto, o voto da região teve inclinação à esquerda. Mas, desde então, os estados já tinham maiores taxas de analfabetismo.

A carga contida no raciocínio vai além do preconceito regional e contra pobres. Há a ideia de que o voto de alguns é pior que o de outros. Aí reside a essência do autoritarismo. O que há de mais belo e significativo na democracia é o fato do voto de qualquer pessoa valer tanto quanto o do mais rico empresário, do mais sábio cientista, do youtuber com mais seguidores. Da ideia de que alguns não são bons o bastante para escolher quem irá governá-los e outros devem escolher por eles nascem as experiências ditatoriais.

Voto dos analfabetos

A República brasileira por quase um século impediu o voto dos analfabetos. Até 1985. O voto dos analfabetos existiu no período colonial e na maior parte da época do império. Era uma época em que a quase totalidade do povo era analfabeto. Então, o critério para votar não era educação, mas a renda. Em 1881, o voto passou a ser permitido aos alfabetizados apenas. Assim, as pessoas tinham negado o direito à educação e, por isso, eram excluídas do processo democrático. Uma dupla punição.

Esse é um dos motivos para iniciativas como o método Paulo Freire terem sido tão combatidas. Alfabetizar significava dar àquelas pessoas o direito de voto. Isso mexia no equilíbrio estabelecido.

Errei

No fim da coluna de ontem, escrevi que Capitão Wagner era nome forte para 2014. Obviamente, referia-me a 2024.

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