Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
A espionagem habita o que há de mais subterrâneo nas práticas da política. A arapongagem, o uso de escutas e, hoje, o rastreamento de comunicações digitais existem desde sempre. Busca-se conhecer e antecipar estratégias de adversários e descobrir informações para usar contra eles, principalmente. A bisbilhotice sobre a vida alheia é feita fartamente por meios privados. Porém, quando têm aparatos governamentais nas mãos, há agentes públicos que se valem de estruturas de inteligência para fins privados. O que já é ilegal, invasivo, desrespeitoso e violento ganha feições de Estado policialesco, um autoritarismo persecutório.
Não são raras as informações de que equipamentos de rastreio de órgãos de segurança tenham sido usados para observar adversários políticos ou mesmo aliados de quem se desconfia ou sobre quem se quer manter controle. Um número de telefone é incluído entre vários outros, por uma justificativa qualquer, em alguma investigação.
No Ceará, drones com tecnologia superpotente de escuta da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobrevoaram a residência oficial do governador na época, Camilo Santana (PT). Policiais militares da segurança do hoje ministro identificaram, em 2021, dois homens que manobravam os aparelhos e os abordaram. Eles se identificaram como servidores da Abin. Um dos servidores havia sido coordenador de Operações de Meios Técnicos do Departamento de Operações da agência, nomeado pelo então diretor e hoje deputado federal Alexandre Ramagem (PL), alvo da Polícia Federal na investigação.
A Abin abriu investigação, mas depois arquivou e deu justificativa troncha: “A ação ocorreu dentro de parâmetros regulares, sendo, consequentemente, arquivado. Não houve nenhuma ação de acompanhamento sobre autoridades constituídas do Governo do Estado do Ceará”.
Certo, mas, se era assim, o que os bonitos faziam com drones sobrevoando a residência oficial de um governador de oposição ao então presidente? Camilo foi um no rol amplo de autoridades que teriam tido a intimidade bisbilhotada.
Vale lembrar: nos Estados Unidos, que o bolsonarismo venera, o caso Watergate, que derrubou presidente, começou com investigação sobre espionagem na sede do partido de oposição.
A “inteligência paralela” de Bolsonaro
Na famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020, Bolsonaro falava aos gritos de um esquema privado de inteligência: “Sistemas de informações, o meu funciona. O meu particular funciona. Os que têm oficialmente, desinforma. E voltando ao tema prefiro não ter informação a ser desinformado em cima de informações que eu tenho”.
Era no contexto de cobrança para que a inteligência pública atendesse aos propósitos que alcançava com a inteligência “particular”. Ora, mas, convenhamos, é difícil imaginar que ele tivesse um esquema privado para atender a fins públicos. O sistema particular atendia a interesses domésticos e ele queria o mesmo do aparato público.
Era um escândalo desde já e reproduzo o que, no dia seguinte à divulgação, escrevi neste espaço: “Que história é essa de sistema de informação particular? Uma inteligência extraoficial? Paralela? O presidente justificou que são amigos militares, policiais que passam informações para ele. Conta isso direito. Quais informações? Obtidas por quais meios? Esse sistema funciona, e Polícia Federal e Abin não funcionam?” Pela operação da PF nesta quinta, parece que a cobrança de Bolsonaro surtiu efeito e a Abin passou a atender aos propósitos do então presidente.
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