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A Enel e a privatização da Coelce
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

A Enel e a privatização da Coelce

O dinheiro arrecadado com a privatização da Coelce não se concretizou no objetivo prometido e o serviço para a população é de péssima qualidade
Tipo Opinião
CONCESSIONÁRIA Enel está sob críticas (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE CONCESSIONÁRIA Enel está sob críticas

O debate sobre privatizações é repleto de ideologia. Em geral isso é falado sobre quem se opõe, mas a ideologia liberal a favor das privatizações levou à aprovação de processos tecnicamente precários, duvidosos quanto ao retorno, críticos nos resultados e, por vezes, sob suspeitas éticas. Passados 26 anos da privatização da Coelce, está demonstrado o quanto houve de problemático no processo.

Uma premissa das privatizações é a ideia de que a iniciativa privada é mais competente que o setor público, até porque precisa ser, pois depende de lucro. Nem sempre é assim. O setor particular não tem algumas amarras das empresas públicas, sem dúvida. As coisas são mais rápidas e mais simples. Mas, também, menos comprometidas com o interesse coletivo. A esfera governamental é mais sujeita a ingerências políticas. O que não significa que elas não existam no setor privado, ainda mais numa concessionária de serviços públicos. Assim como há favorecimentos e outras influências em indicações que pouco consideram a competência, sem falar de corrupção. O envolvimento de empresas com Odebrecht e JBS em escândalos nas últimas décadas bem demonstram.

Além disso, há gestão competente no setor público e incompetente no setor privado. O maniqueísmo é altamente ideologizado. O setor privado precisa dar resultado para ter lucro, certo. Mas está repleto de empresas, mesmo as gigantes, que dão prejuízos consideráveis. Basta ver as Lojas Americanas. A própria Enel tem dívida de 60,2 bilhões de euros, conforme relatório divulgado em fevereiro.

Na privatização da Coelce, fica evidente hoje a insuficiência e deficiência da regulação. No Brasil, o patrimônio estatal era vendido enquanto os parâmetros regulatórios começavam a ser construídos. Em alguns casos, a venda ocorreu antes. A impressão é de que se acreditou demais na competência privada.

Nesse aspecto há problema extra. A Coelce foi comprada na época pelo mesmo consórcio que administrava a Companhia de Eletricidade do Rio de Janeiro, Cerj. E já havia reclamações consideráveis sobre os serviços no Rio. A empresa havia sido multada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em R$ 638 mil, valores da época, por má qualidade. Porém, asseguravam na época que a situação não se repetiria no Ceará. Quem garantiu? Os donos. E aqui estamos hoje.

Conceitualmente, do ponto de vista da economia de mercado, um dos maiores problemas de alguns modelos estatizados é o monopólio estatal. No caso da Coelce/Enel, tem-se o pior dos mundos: saiu-se do monopólio público para o monopólio privado. O consumidor médio não pode amanhã deixar de comprar a energia da Enel e receber de outra fornecedora.

Quando a Coelce foi vendida, o próprio comprador reconheceu que o nível de serviços era bom. Um prejuízo, pelo menos, foi a perda do poder de pressão da população e mesmo do governo. Dois anos depois, já havia pedido para cassar a concessão, por oscilações de energia, queima de aparelhos e faltas de energia.

O controle da Coelce foi adquirido por um consórcio de empresas de Chile, Espanha e Portugal. Ações minoritárias foram adquiridas pela chilena Enersis e a espanhola Endesa. A Enel comprou a Endesa e assumiu o controle da Coelce, que mudou de nome em 2016.

Trata-se de multinacional com atuação em 32 países. Hoje, está presente, com problemas, em mercados muito maiores que o cearense — São Paulo e Rio de Janeiro. Para a Coelce pública, pelo menos o Estado era não só a prioridade, como a razão de existir. Hoje o Ceará está com uma senha mal localizada na longa fila de prioridades.

O último presidente da Coelce estatal, Jurandir Picanço, disse recentemente a Jocélio Leal, aqui no O POVO, que o foco da Enel está nos resultados financeiros, e não nos consumidores. Uma surpresa que isso tenha ocorrido numa companhia privatizada, não é mesmo?

O dinheiro da venda da Coelce

A promessa do governo Tasso Jereissati (PSDB) era usar o dinheiro da privatização da Coelce para criar um fundo de pensão para servidores estaduais. Os R$ 987 milhões arrecadados na época não cobriram um ano de déficit previdenciário. O dinheiro se perdeu no caixa do Estado. Cinicamente, as mesmas autoridades que antes alardeavam a nobre finalidade para aqueles recursos passaram a repetir: “Dinheiro não tem carimbo”. O fundo nunca saiu.

No fim das contas, a quantia arrecadada com a privatização não se reverteu no objetivo prometido e o serviço para a população é de péssima qualidade.

Passadas mais de duas décadas da grande onda de privatizações, o tempo permite criteriosa avaliação dos resultados, confrontados com as promessas douradas. A Coelce foi a maior privatização do Ceará. O balanço é negativo.

Foto do Érico Firmo

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