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Família na política: razões, limites e problemas
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Família na política: razões, limites e problemas

Indicação de Onélia Santana para o TCE recoloca o debate sobre famílias na política na ordem do dia na política do Ceará
Tipo Opinião
CAMILO Santana com Luiza, Onélia e Pedro e mais Cid Gomes e Maria Célia Gomes, na solenidade de diplomação em 2018: famílias influentes (Foto: Acervo O POVO)
Foto: Acervo O POVO CAMILO Santana com Luiza, Onélia e Pedro e mais Cid Gomes e Maria Célia Gomes, na solenidade de diplomação em 2018: famílias influentes

A indicação de familiares para cargos políticos nasceu junto com a política. O poder é exercido em família. Há milênios, as sucessões se dão por hereditariedade. É um resquício monárquico e, ainda na República, a influência é transmitida de geração a geração tal qual patrimônio. Às vezes com mais, às vezes com menos talento — tal qual se dá com empresas familiares. A política no Ceará, e em muitos outros lugares, é uma empresa familiar.

É curioso o olhar de fora para essa realidade. O sociólogo e antropólogo alemão Emilio Williens, em 1953, escreveu o artigo "The structure of the brazilian family" [A estrutura da família brasileira], publicado na coletânea "Social Force" [Força Social]. Ele afirma: "Não existe nenhuma instituição no Brasil que não seja atravessada por famílias". Essa realidade, portanto, é estrutural, não apenas moldada pela ação de indivíduos, embora os atores políticos tenham responsabilidades pelas práticas que adotam e perpetuam. A presença da família na política é realmente um problema? Até que ponto?

A política cearense, desde 2007, é organizada em torno de um grupo familiar — os Ferreira Gomes, hoje divididos. É um sobrenome que ocupa espaços de protagonismo há cerca de 40 anos. Camilo Santana (PT) se elegeu dentro desse grupo. Ele é filho de político, mas a presença política dele não é derivada da família. Foi deputado estadual, eleito pela primeira vez em 2010 já como o mais votado no Estado.

Não foi por ser herdeiro dos votos do pai, que fora deputado até 2002. No período de governo, Camilo não aparecia como líder de um grupo familiar. O irmão, Tiago Santana, é a eminência parda na área da cultura ao longo de todo o ciclo camilista. Mas, é com a indicação de Onélia Santana para o Tribunal de Contas do Estado (TCE) que o peso familiar se torna mais percebido.

Fatores familiares

É justo salientar que não se trata de novidade. Não lembro de cônjuge de líder político ser indicado para tribunal de contas cearense — Patrícia Saboya foi escolhida mais de uma década e um mandato de senadora depois do divórcio.

Porém, essas relações são uma regra na política do Ceará. Ciro Gomes foi impulsionado pelo pai, fez de Cid Gomes assessor, que depois virou deputado, presidente da Assembleia, prefeito, nomeou o irmão Ivo Gomes, que virou deputado, depois foi secretário de novo e termina mandato de prefeito. Lúcio Gomes também foi indicado a cargos, assim como Lia Gomes, hoje deputada.

Roberto Cláudio nomeou o irmão Prisco Bezerra, hoje suplente de senador. Lúcio Alcântara era filho de governador que fez dele secretário e indicou para prefeito de Fortaleza — na época era assim. Lúcio projetou o filho Léo Alcântara a deputado federal. O governo dele terminou sob acusação de “influências domésticas”, segundo Tasso Jereissati.

Tasso, aliás, merece menção. É filho de senador, mas o pai morreu quando ele tinha 14 anos. Ele próprio concorreu 23 anos e uma ditadura depois de o pai morrer. Não houve continuidade. Tasso teve poder tal que poderia ter eleito filho, tio, esposa, cunhada, cachorro e papagaio. E não tem familiar que ele tenha lançado na política.

A presença da família na política passou a ser mal vista no Estado moderno, em nome de uma administração profissional, técnica e neutra. Confesso que passei a ter visão um pouco diferente após leitura de reportagem do O POVO, no ano passado, assinada pelo colega Henrique Araújo, a partir do que disseram os cientistas políticos Monalisa Torres e Cleyton Monte.

Eu sintetizaria a reflexão da seguinte forma: num cenário de fragilidade ideológica e partidos sem consistência, para a população, os laços familiares se tornam a forma de reconhecer um grupo, um perfil e um estilo de governar. "Sempre que temos partidos frágeis, lideranças fragilizadas e pouco espaço para a renovação, as famílias políticas acabam tendo maior espaço para se reproduzir.

O que temos no interior do Estado são as famílias, então a população reconhece muito mais as famílias do que partidos", disse Monte. Volto, então, a Williens. A família acaba mesmo se sobrepondo a outras instituições públicas.

Se, por um lado, a tradição familiar pode ser vista como desvantagem, por remeter a continuidade e atraso, representa também segurança de saber o que esperar. "A família acaba tendo vantagem porque se utiliza o ethos familiar como capital em momentos de disputas eleitorais. Ela incorpora uma ideia, uma marca. Isso é mobilizado e de alguma forma tem uma certa vantagem em relação a debutantes na política",, acrescentou Torres.

Do ponto de vista da família, trata-se de ocupar espaços e perpetuar o poder. Mas, também para o eleitor faz sentido essa presença. O problema não é, necessariamente, fazer política em família. É a indicação de parentes para cargos, ainda mais quando isso se exacerba. Aí é atacado o princípio fundamental da impessoalidade.

Volto ao assunto amanhã. 

Foto do Érico Firmo

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