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Vítimas da farsa da cloroquina
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Vítimas da farsa da cloroquina

Muita gente morreu por causa do estudo que difundiu o chamado "kit Covid", dos profissionais que o adotaram contra as evidências e dos políticos que o usaram como palanque
Bolsonaro, entusiasta da cloroquina (Foto: Mateus Bonomi/AGIF/AE)
Foto: Mateus Bonomi/AGIF/AE Bolsonaro, entusiasta da cloroquina

No último mês de dezembro, o estudo que difundiu o uso de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento contra Covid-19 teve a publicação cancelada pela revista científica que o divulgou originalmente. A revista científica International Journal of Antimicrobial Agents se retratou e tornou inválida a publicação realizada em 19 de março de 2020, de autoria do infectologista francês Didier Raoult e mais 17 autores. O trabalho, assim, está formalmente excluído da literatura científica.

O estudo se tornou instrumento político pelo mundo, com muita ênfase no Brasil. A aposta no tratamento inútil virou estratégia de governo, numa decisão que passa pelo Ceará.

O trabalho sugeria que a hidroxicloroquina combinada com o antibiótico azythromicina seria a cura para a Covid-19. Trouxe esperanças, mas eram resultados preliminares de uma pesquisa feita com número muito pequeno de pessoas — 42 pacientes. Os problemas estavam evidentes em março de 2019 e as críticas foram imediatas. Mesmo assim, médicos começaram a usar o tratamento.

A tragédia se consumou quando políticos — notadamente Donald Trump e Jair Bolsonaro, que na época presidiam os maiores países da América — passaram a difundir aos devotos que a Covid-19 não era tão grave e que aquela seria a cura. O discurso de ambos era messiânico, como se eles estivessem banindo a peste. Tinha tom de revelação, como se desfizesse uma suposta farsa da pandemia.

Meses depois, estudo com 30 mil pacientes atestou que o tratamento é ineficaz. A quase totalidade dos médicos e cientistas abandonou o uso dos medicamentos para tratar Covid-19 e buscou divulgar o erro. Àquela altura, já era difícil encontrar quem ainda insistia no método sem estar politicamente comprometida em algum grau. Os que assim agiram foram coniventes com um dos mais graves erros da história recente da ciência, seja por incapacidade ou coisa pior.

A retratação da revista demorou mais de quatro anos. O motivo para a insistência era a recusa do principal autor, Didier Raoult, em reconhecer o erro. Ele chegou a admitir que a cloroquina não reduzia as mortes por Covid-19 nem a necessidade de UTI e de o paciente precisar de oxigênio. Insistia, todavia, na defesa do tratamento.

Porém, constatou-se que houve muitos problemas metodológicos, como ausência de grupos de controle, faltas éticas relacionadas às regras para pesquisa sobre pessoas, e até mesmo suspeita de manipulação. Pacientes que morreram sob tratamento foram omitidos das estatísticas. Diante disso, três dos autores retiraram as assinaturas do trabalho. Então, à revelia do líder da pesquisa, a revista cancelou a publicação.

Didier Raoult, depois de outras punições, está proibido de exercer a medicina por dois anos, a partir de 1º de fevereiro de 2025, por decisão do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos (CNOM) da França.

Raoult nega as mudanças climáticas e é crítico da vacinação obrigatória na França. Em 2006, ele e a equipe foram suspensos por um ano de revistas editadas pela American Society for Microbiology, por suspeita de fraude.

No Brasil, o trabalho estapafúrdio de Raoult serviu para vender ilusões, minimizar a gravidade da Covid-19 e substituir a ação governamental contra a Covid-19, ao desviar as atenções da prevenção e da vacinação.

A cloroquina e os políticos cearenses

O ativismo do governo Bolsonaro em relação à cloroquina teve como operadora, no Ministério da Saúde, a médica Mayra Pinheiro, que chegou a receber apelido jocoso relacionado ao tratamento. Ela era cogitada para ser secretária da Saúde de Fortaleza se André Fernandes (PL) fosse eleito prefeito. Mayra é suplente de deputado federal pelo PL e exerceu mandato na Câmara dos Deputados, em Brasília até quinta-feira, porque Fernandes estava licenciado desde setembro. Ele reassumiu o mandato nessa sexta-feira, 10.

Ainda na bancada federal cearense, o uso da cloroquina teve como empedernido defensor o senador Luis Eduardo Girão (Novo). Muita gente morreu por causa do estudo que difundiu o chamado “kit Covid”, dos profissionais que o adotaram contra as evidências e dos políticos que o usaram como palanque.

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